Esta coluna acaba de completar 30 anos. Começou com o jornal “Opinião”, do Centro Cultural Espírita de Porto Alegre, em agosto de 1994. Há cerca de 12 anos, quando o “Abertura”, do Instituto Cultural Kardecista, vinha sendo editado pelo saudoso Eugenio Lara, a convite dele, passou também a ter espaço neste jornal.
Tendo eu deixado, agora, de editar o “Opinião”, substituído que está sendo por um blog no portal do CCEPA, a coluna, entretanto, sobrevive. E, a convite do atual diretor do “Abertura”, o querido amigo Alexandre Cardia Machado, vai seguir presente também neste valoroso e histórico periódico, filho dileto do saudoso Jaci Regis.
Até quando? Não sei. Próximo de completar 84 anos, vou, pouco a pouco, encerrando meu labor jornalístico espírita, que já ultrapassou quatro décadas de exercício voluntário e prazeroso. Se sentir que a lucidez me falha, paro. Se eu não perceber, me avisem!
Muitas mudanças
Fiz as referências acima, refletindo sobre as mudanças ocorridas no meio espírita ao curso das três últimas décadas e das quais esta coluna e os jornais em que inserida foram testemunhas, e, em alguma medida, propulsores.
Se hoje, nos meios mais atualizados e progressistas do espiritismo, possa se entender que a discussão de se ele é ou não religião seja um tema superado ou de menor importância, há de se convir que aquele debate foi o estopim das grandes transformações. Claro que o tema não é novo e nem dele foram pioneiros o Grupo de Santos e o Centro Cultural Espírita de Porto Alegre. Desde Kardec, ou logo após ele, esse debate sobre a verdadeira identidade do espiritismo é alimentado.
Entretanto, foi justamente nos anos 70, 80 e 90 que, protagonizada, inicialmente pelo jornal “Espiritismo e Unificação”, depois “Abertura”, editados por Jaci, seguido por “Opinião”, do CCEPA, a contestação da condição de religião, assim tida maciçamente pelos espíritas brasileiros de então, ganhou força transformadora. Muito contribuiu com isso a CEPA que, na gestão de Jon Aizpúrua, passou a ter presença e voz, que muitos quiseram calar, no Brasil.
Revelação
Importa é que aquele debate, mais do que se centrar em mera questão semântica – religião ou moral? -, serviu para a gente refletir na direção de que tratar o espiritismo como uma religião o levaria, nesta pós-modernidade, ao seu definhamento e, mesmo, ao suicídio.
Mais do que nunca, especialmente depois que as igrejas pentecostais e neopentecostais tomaram de assalto a América Latina e, particularmente, o Brasil, religião passou a ser a antítese de conhecimento e progresso, para se tornar expressão máxima do conservadorismo.
Religião, mais que tudo, é tida como “revelação divina”. E com o deus dos religiosos não se discute. O que ele revelou vale para toda a eternidade e é insuscetível de mudanças.
Embora tenha concebido o espiritismo também como uma “revelação”, Kardec tomou a expressão em seu sentido etimológico. Entendeu-a como a retirada de véu sobre alguns conhecimentos antes cobertos pelo dogma e pelo mistério, graças ao diálogo com os espíritos.
Reatar laços
Entretanto, como também afirmou Allan Kardec, sendo os espíritos nada mais do que seres humanos vivendo em outra dimensão, não são eles infalíveis e nem detentores de todas as verdades. Isso faz de suas revelações nada mais que opiniões. Em alguma medida, e dependendo de que espíritos provenham, hão de ser respeitáveis opiniões, mas sempre suscetíveis de exame racional e de atualizações a partir de novos conhecimentos que se interpenetram nos âmbitos da humanidade encarnada e desencarnada.
Isso é que nos diferencia fundamentalmente da religião e da imutabilidade da presumível revelação divina. Esta, para nós, espíritas, é sinônimo da lei natural, gravada em nossas consciências e, progressivamente, melhor compreensível.
Nas três décadas de existência desta coluna, pôde seu modesto autor testemunhar e registrar que esse entendimento cresceu muito no meio espírita. E é sobre esse possível consenso que poderemos, talvez, reatar laços ontem desfeitos.