Grupo Espírita Gabriel Delanne/Caruaru-PE
Baruch de Espinoza
Baruch de Espinoza foi considerado um marrano. Marrano é o termo que, na península Ibérica (Espanha e Portugal), se dava ao judeu ou mouro que, embora professando publicamente sua adesão ao cristianismo para evitar perseguições, continuava ocultamente fiel à sua primitiva religião (judaica ou muçulmana). A apresentação de Espinosa como um marrano é realizada por Marilena Chauí (1983) no prefácio da coleção Os Pensadores.
O nascimento e origem de Espinoza tem a coincidência de três aspectos que lhe marcaram profundamente: nasceu em um país europeu, teve a influência judaica e, por último, a influência cristã. Seu nome de batismo foi Baruch (ou Bento em português, ou Benedictus em latim) e seu natalício foi no dia 24 de novembro de 1632, em Amsterdam, Países Baixos, na Europa, em uma família judaico portuguesa.
Primeiramente recebeu toda uma formação judaica dos seus pais, tornando-se um conhecedor e crítico das matrizes do Judaísmo e seus estudiosos. Em decorrência de suas análises críticas às bases religiosas judaicas foi considerado herege. Afastou-se do judaísmo, como excomungado da comunidade rabínica. Posteriormente adentrou-se no cristianismo, estudando o humanismo clássico, pelas linhas do protestantismo calvinista (CHAUÍ, 1983, p. 7), tornando-se também um crítico da Bíblia e de toda forma de crença supersticiosa. Tendo acesso à filosofia de Descartes, aprofundou-se cada vez mais numa visão racionalista da vida e de Deus. Foi autor de várias obras em vida: o ensaio Tratado da correção do Intelecto (De Intellectus Emendatione), Princípios da Filosofia Cartesiana, Tratado sobre a Religião e o Estado. Após sua morte foram publicadas as seguintes obras: a Ética, o Tratado da Correção do Intelecto, o Tratado Teológico-Político, uma Gramática Hebraica e as Cartas (CHAUÍ, 1983, p. 7).
Sua obra Ética, publicada post mortem, destaca-se das demais por tentar demonstrar “(…) como Deus é a causa racional produtora e conservadora de todas as coisas, segundo leis que o homem pode conhecer plenamente” (CHAUÍ, 1998, p. 8). Este trabalho foi bastante criticado também pelos cristãos por entenderem que Espinosa estaria destituindo a ideia de Deus-criador e aproximando-se de uma visão imanente e quase panteísta de Deus-Natureza.
Espinosa faleceu num domingo, 21 de fevereiro de 1677, aos quarenta e quatro anos, vitimado pela
tuberculose.
A Ética e os Pensamentos Metafísicos de Espinosa sobre a concepção de Deus
Assinando a obra como Benedictus (tradução do hebraico Baruch) Espinoza, assim dá-lhe o título: Ética demonstrada em ordem geométrica. A Ética de Espinosa, como é comumente conhecida, é dividida em cinco parte: Primeira parte – Deus; Segunda parte – A natureza e a Origem da Mente; Terceira parte – A Origem e a Natureza dos Afetos; Quarta parte – A Servidão Humana ou a Força dos Afetos; Quinta parte – A Potência do Intelecto ou a Liberdade Humana. O filósofo não chegou a ver essa obra publicada.
Esta obra é apresentada pelo filósofo com definições preliminares, demonstrações filosóficas, axiomas, corolários e proposições como teses formuladas por sentenças simples que, no entanto, requerem e propõem amplas discussões. Para este artigo nos deteremos em breve atenção para a primeira parte da Ética de Espinosa que trata de Deus, apresentando algumas de suas teses, cuja similaridade com a filosofia espírita se torna evidente, principalmente quando lemos O Livro dos Espíritos.
A sexta das definições preliminares de Espinosa é a de que Deus é “(…) o ser absolutamente infinito, isto é, uma substância composta de infinitos atributos, cada um deles exprimindo uma essência eterna e infinita”. Aqui a noção de infinito relacionada a Deus.
O axioma terceiro proposto por Espinosa é de que “dada uma causa determinada, segue-se necessariamente um efeito (…)”. Aqui a concepção de causa e efeito para compreender a existência divina.
A proposição XI admite que “Deus, ou, dito de outro modo, uma substância composta de infinitos atributos, cada um deles exprimindo uma essência eterna e infinita, existe necessariamente”. Observamos que nesse trabalho filosófico Espinosa utiliza a expressão ‘substância’ como substituto para ‘Deus’, já rompendo com uma concepção antropomórfica da divindade.
Da proposição XVI o filósofo propõe o terceiro corolário: “Segue-se que Deus é absolutamente causa primeira”. Aqui a ideia de causalidade primária atribuída a Deus.
A proposição XVII afirma que: “Deus age apenas pelas leis de sua natureza e não é compelido por ninguém”. Nesse ponto da obra Espinosa associa a manifestação divina pelas leis do universo.
A seguir as proposições XVIII e XIX, respectivamente afirmam que “Deus é causa imanente de todas as coisas e não causa transitiva” e “Deus é eterno, ou, dito de outro modo, todos os atributos de Deus são eternos”. Estas são duas concepções atribuídas à divindade: causalidade e eternidade.
A demonstração da proposição XX é a de que “Deus e todos os seus atributos são eternos (…)”. Essa tese é complementada na proposição XXI: “Tudo o que se segue da natureza absoluta de um atributo de Deus deve existir sempre e ser infinito, ou, dito de outro modo, deve ser, por este atributo, eterno e infinito”. Aqui Espinosa defende a ideia de que todos os atributos concebidos a Deus devem ser necessariamente eternos.
Para Chauí (1998, p. 10) a Ética de Espinosa, principalmente na sua primeira parte “(…) procura mostrar de que modo Deus se produz a si mesmo, às coisas e ao homem, demonstrando que esse modo de autoprodução é o próprio modo de produção do real”. Através de suas teses, Espinosa apresenta uma concepção de Deus como Causa Cáusica de todos os seres e de todas as coisas.
Ainda em vida Espinosa escreveu Princípios da Filosofia Cartesiana, constando como apêndice a essa obra os Pensamentos Metafísicos, do qual extrairemos algumas notas do filósofo a respeito de Deus. Na primeira parte e no capítulo IV admite que Deus é Eterno. No capítulo VI defende que Deus é único, verdadeiro e bom.
Na segunda parte desse opúsculo filosófico, Espinosa desenvolve algumas dessas concepções e acrescenta no capítulo III que Deus é puro, onipresente e onipotente. No capítulo IV apresenta o atributo da imutabilidade divina e de que Deus é incorpóreo. No capítulo VII Espinosa demonstra que um outro atributo de Deus é o da onisciência.
Espinosa em O Livro dos Espíritos
Dois séculos se passam e poderemos reencontrar Espinosa participando do projeto de renovação espiritual do planeta através do movimento espírita francês, coordenado entre os encarnados por Allan Kardec, e coordenado entre os desencarnados pelo Espírito de Verdade. Detectaremos duas formas da presença de Baruch Espinosa em O Livro dos Espíritos:
- Através das psicografias selecionadas por Allan Kardec, embora sem assinatura, mas pelas ideias exaradas que são consentâneas com as apresentadas por ele mesmo na sua existência como filósofo;
- Através da escrita de Allan Kardec que, embora não citando Espinosa, é possível igualmente identifica-lo pelas ideias semelhantes às formuladas em várias de suas obras, das quais extraímos algumas concepções e citações no tópico anterior.
Assim, é possível defender a ideia de que Espinosa participou tanto diretamente via psicografias e que foram inseridas em O Livro dos Espíritos, quanto indiretamente quando Allan Kardec apresenta a síntese dos atributos de Deus, claramente identificadas nas obras e no pensamento defendido pelo filósofo do século XVII.
Inicialmente identificamos uma aproximação a Espinosa quando comparamos a primeira parte de O Livro dos Espíritos com a primeira parte da Ética: Allan Kardec denomina essa primeira parte sob o título ‘De Deus’ e Espinosa vai intitular sua primeira parte com o título ‘Sobre Deus’. As semelhanças prosseguem quando já de início à primeira questão de Allan Kardec para uma definição de Deus, os Espíritos responderam “Deus é a Inteligência Suprema, causa primária de todas as coisas”. No Escólio II da proposição XVII da Ética Espinosa defende que o intelecto divino é diferente do intelecto humano: “E, portanto, o intelecto de Deus, concebido como constituindo a essência de Deus, é na verdade causa tanto da essência como da existência de todas as coisas”.
Uma análise de perspectiva à distância sobre a primeira parte de O Livro dos Espíritos, especificamente no capítulo I, dá-nos uma compreensão das aproximações com o pensamento de Baruch de Espinosa, principalmente na sua obra Ética. O capítulo é dividido em 4 subcapítulos: 1 – Deus e o infinito; 2 – Provas da existência de Deus; 3 – Atributos da divindade; 4 – Panteísmo. Ao lermos a Ética de Espinosa em sua primeira parte (De Deus) ficamos como que impactados porque o filósofo racionalista trata dos mesmos aspectos, exceção do quarto tópico (panteísmo), embora essa ideia sobrepaire sobre todo o texto espinosiano já que ele utiliza a expressão ‘substância’, ou ‘natureza’ para designar a Deus. Allan Kardec talvez tenha inserido esse subcapítulo justamente para evitar qualquer dúvida a respeito, como ocorreu com o próprio Espinosa.
O subcapítulo 1 da primeira parte de O Livro dos Espíritos trata de ‘Deus e o infinito’, cujos temas são recorrentes e centrais na primeira parte da Ética de Espinosa. Nessa obra, Espinosa na emonstração da definição que faz de Deus como um ‘ser absolutamente infinito’, esclarece a respeito do que entende pelo infinito divino: “Digo absolutamente infinito, não infinito em seu gênero (…) mas ao que é absolutamente infinito, pertence a sua essência tudo o que a exprime e não envolve nenhuma negação”. Nesse sentido Allan Kardec avança e apresenta uma crítica ao pensamento espinosiano quando esclarece à resposta da questão número três: “Deus é infinito em suas perfeições, mas o infinito é uma abstração. Dizer que Deus é o infinito é tomar o atributo de uma coisa pela coisa mesma, é definir uma coisa que não está conhecida por uma outra que não o está mais do que a primeira”.
Outra aproximação em O Livro dos Espíritos realizada ao pensamento de Espinosa é na questão quatro, do subcapítulo que trata sobre ‘provas da existência de Deus’, tanto na resposta dos Espíritos quanto no comentário de Allan Kardec, admitindo a ideia de causa-efeito.
No subcapítulo três de O Livro dos Espíritos que trata ‘dos atributos da divindade’ na questão 13 dá-se claramente a entender que Allan Kardec leu e se referenciou em Baruch Espinosa (Pensamentos Metafísicos) ao citar os atributos de Deus de ‘eterno, infinito, imutável, imaterial, único, nipotente, soberanamente justo e bom’, como já vimos no tópico anterior deste artigo. O próprio Allan Kardec irá realizar uma breve explicação sobre seis atributos de Deus e que encontra correspondência em Espinosa:
Allan Kardec (O Livro dos Espíritos) |
Baruch de Espinosa (Pensamentos Metafísicos) |
Eterno |
Eterno (capítulo IV- Parte I) |
Imutável |
Imutável (capítulo IV – Parte II) |
Imaterial |
Incorpóreo (capítulo IV – Parte II) |
Único |
Único (capítulo VI – Parte I) |
Onipotente |
Onipotente (capítulo III – Parte II) |
Soberanamente justo e bom |
Verdadeiro e bom (capítulo VI – Parte I) |
Nesse subcapítulo por cinco vezes são registradas a palavra ‘razão’, tanto por Allan Kardec quanto pelos Espíritos Superiores. Baruch de Espinosa foi um filósofo racionalista. Essa evidenciação da presença de Espinosa em O Livro dos Espíritos apenas engrandece o Espiritismo em sua formação básica, além de corroborar a dimensão filosófica que Allan Kardec assume ao organizar e co-assinar a obra magna espírita.
REFERÊNCIAS:
CHAUÍ, Marilena. Espinosa: vida e obra in VICTOR CIVITA. Editor. Os Pensadores: Espinoza. São Paulo: Abril Cultural, 1983, 3a edição.
ESPINOSA, Baruch. Princípios da Filosofia Cartesiana (1663) in VICTOR CIVITA. Editor. Os Pensadores: Espinoza. São Paulo: Abril Cultural, 1983, 3a edição.
ESPINOSA, Baruch. Ética demonstrada em ordem geométrica (1677) in VICTOR CIVITA. Editor. Os Pensadores: Espinoza. São Paulo: Abril Cultural, 1983, 3a edição.
KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Rio de Janeiro: FEB, 2002.
VICTOR CIVITA. Editor. Os Pensadores: Espinoza. São Paulo: Abril Cultural, 1983, 3a edição