“É preciso que o poder limite o poder” (Montesquieu)
O espiritismo não é uma doutrina política. É, sim, uma doutrina filosófico-moral, nascida da experimentação científica acerca do fenômeno da comunicabilidade dos espíritos. Em sua vasta obra, Allan Kardec (1804/1869) não demonstrou preocupações em propor teorias políticas referentes ao exercício do poder, suas formas, divisões de atribuições, modos de escolha de governantes, etc. Nem por isso, deixou de abordar as grandes questões éticas necessariamente intrínsecas ao exercício do poder, tais como a responsabilidade moral de eventuais detentores da autoridade em todas as instâncias da vida e as virtudes que deveriam ornar a personalidade de seus titulares. Com a figura metafórica da “aristocracia intelecto-moral”, projetou a sociedade do futuro, gerida por homens e mulheres com elevados dotes intelectuais, conhecimento e moralidade, indispensáveis à ordem e ao progresso dos povos.
Inegavelmente, no entanto, o espiritismo, por seus conteúdos sociais claramente definidos, de maneira muito particular, na Terceira Parte de O Livro dos Espíritos, se insere nas propostas iluministas que marcaram o século anterior à sua sistematização doutrinária. Valores como liberdade, igualdade e fraternidade, bandeira da Revolução Francesa, foram interpretadas por Kardec, como “leis divinas ou naturais”, aplicáveis a todos os povos. Com base nesses mesmos princípios, pensadores iluministas, dentre os quais sobressai o ilustrado compatriota do Professor Rivail, Charles-Louis de Secondat, conhecido como Montesquieu (1689/1755), formularam as bases da moderna democracia, abrindo caminho ao contemporaneamente denominado Estado Democrático de Direito.
Ínsita no conceito de Estado Democrático de Direito está a necessidade de o poder estatal, conferido pelas leis e pela vontade majoritária dos cidadãos de uma República, ser separado e exercido, por áreas específicas, dotadas de plena autonomia e independência. A fórmula de Montesquieu que concebeu o Estado gerido pelos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário foi a que a Modernidade consagrou como ideal. Ao afirmar ser necessário que o poder limite o poder, o Barão de Montesquieu concebeu o sistema de freios e contrapesos, indispensável ao pleno exercício da democracia.
É nesse contexto que o espiritismo, mesmo não sendo uma teoria política, está, desde o seu nascedouro, inserido. A democracia, assim, é parte integrante da proposta espírita e dela não se pode afastar, sob pena de abrir flanco ao autoritarismo, antônimo da liberdade; à injustiça, inimiga da igualdade; e à primazia do orgulho e egoísmo, impeditivos da construção do espírito de fraternidade.
É oportuno recordar esses conceitos históricos e doutrinários no momento em que, no Brasil, ressurgem claras tentativas de enfraquecimento de poderes da República que exercem, justamente, a ação de freios e contrapesos ao Executivo. Não vale, para justificar essas tentativas, alegar a corrupção, o corporativismo ou outros defeitos sempre encontráveis em oportunistas e irresponsáveis membros daqueles Poderes. Questões éticas e morais também se combatem com leis e com sua correta aplicação, objetivo só atingível pelo pleno, continuado e permanentemente aprimorado exercício da democracia. Ao espiritismo está reservada, fundamentalmente, a missão do aperfeiçoamento moral do ser e da sociedade, demonstrando-lhes a realidade do espírito, sua imortalidade e a autonomia que a natureza a ele confere, visando à construção de um mundo melhor e mais feliz.
Evento transmitido ao vivo pelo Facebook.
Apoio: CEPA – Associação Espírita Internacional.
Por Milton Medran Moreira,
Editorial do Jornal CCEPA Opinião 282, Março de 2020.