“Criamos nosso mito. O mito é uma crença, uma paixão. Não é necessário que seja uma realidade. É realidade
efetiva, porque estimulo, esperança, fé, ânimo.” Francisco Campos, 1940
O objetivo desse artigo é fazer uma análise das características políticas da obra “Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho” de Humberto de Campos/Francisco C. Xavier, vista como produtora de um grande mito nacional, destacando sua fina sintonia com o fascismo e a sua filiação ao mito da democracia racial.
A obra e suas afinidades
Politicamente a obra representou um alinhamento ideológico do movimento espírita com o governo ditatorial do Estado Novo que, em 1938, vivia seu apogeu. O Estado Novo, embora não seja considerado um regime fascista, partilhava com o fascismo importantes características, cuja obra demonstra fina sintonia.
Segundo o cientista político Robert Paxton, se o fascismo pudesse ser definido em apenas uma ideia, esta seria o mito da nação. A ideia de nação tem a mesma importância para o fascismo que a ideia de liberdade ou igualdade, respectivamente, para o liberalismo e o
socialismo.
A obra descreve a criação mítica da nação com uma narrativa ultranacionalista, “Pátria esplêndida, extraordinária, de claridades divinas e ciclópicas realizações.” Sua leitura patriótica e triunfalista da história nacional se dirige ao engrandecimento do passado idealizado a fim de dignificar o presente e justificar um futuro promissor para a nação. Semelhante ao nosso autor, com seu ultranacionalismo religioso, os regimes fascistas também constroem um passado mítico e glorioso, que abole contradições e conflitos.
Humberto de Campos quando encarnado não tinha religião, tendo vivido como um agnóstico. Em contradição com seu perfil, o providencialismo católico é a essência de sua obra, expressando um espiritismo católico e roustanguista com destaque para:
a) ênfase na reencarnação como expiação;
b) divinização de Jesus, considerado o governador planetário;
c) toda uma linguagem imersa no imaginário católico, usando termos como “hostiário de sua fé” ou “eterna e dourada porciúncula” recheada de exaltações da Igreja que “deverá representar o pensamento do Senhor na face da Terra” ou que irá unificar toda humanidade
em torno de “um só pastor que é Jesus Cristo.”
d) apologia da centralização autoritária do movimento espírita realizada pela FEB, instituição que chega a ser descrita como a “depositária e diretora de todas as atividades evangélicas da pátria do Cruzeiro”.
e) A Igreja Católica é inocentada inclusive da violência e da intolerância religiosa das Cruzadas, pois teria sido “obrigada a participar do organismo mundano do Estado.” Toda narrativa mítica tende a diminuir ou extinguir os “pecados” passados de seus objetos fetichizados. Além da nação, a Igreja também é fetichizada na obra.
Com sua narrativa providencialista e teleológica, tudo aponta para uma determinada finalidade, toda a história é explicada pela busca de um objetivo final e o que não parece se ajustar é desprezado ou esquecido.
Foi Jacques Bossuet, teólogo e bispo católico do séc.XVII, famoso defensor do providencialismo e do absolutismo, quem afirmou, pela primeira vez, que cada povo seria uma espécie de unidade coletiva da evolução do homem, cuja posição e articulação fariam sentido dentro de uma ordem geral definida pela Providência. Exatamente a ideia central do livro, para quem “cada nação, como cada indivíduo, tem sua tarefa a desempenhar no concerto dos povos” (p.210).
Além do providencialismo católico e do ultranacionalismo, a obra apresenta uma narrativa com as seguintes características políticas:
1) Reacionarismo e alienação:
O autor considera a sociedade como sendo uma comunidade de indivíduos una e indivisa voltada para o bem comum, não reconhecendo qualquer agente social coletivo como classes,
grupos, instituições, organizações ou sistemas. Seu individualismo extremado com uma visão simplista e míope, distorce a realidade social ao ponto de impedir sua compreensão.
Dessa forma, todas as diferenças sociais e políticas são reduzidas de maneira maniqueísta à luta das “falanges do bem” contra as “forças das trevas”. Toda diversidade ou conflito é visto como uma “anomalia” provocada pelo que chama de “o elemento embrutecedor”. Oscila entre invizibilizar e condenar a participação popular a quem se refere com temor como “as multidões apaixonadas e delinquentes”.
Condena qualquer “recurso a indisciplina perante as leis estatuídas no mundo”, colocando-se sempre na defesa da ordem estabelecida, seja ela qual for, como se todos os movimentos sociais não tivessem a menor “razão de ser”.
Para o autor, “a revolução não obedece ao sagrado determinismo das Leis de Deus e traduz o atrito tenebroso das correntes do mal…”(p.112), demonstrando repulsa a qualquer revolta ou movimento social “os odiosos processos revolucionários”, chamando as revoltas do período regencial como: “a caravana sinistra da confusão e da desordem”.
Toda narrativa mítica do passado glorioso inclui o apagamento de realidades inconvenientes. Nesse sentido, ao narrar a abolição da escravidão, por exemplo, silencia sobre o maior movimento social do século XIX, o movimento abolicionista.
Reacionária, a obra faz a defesa explícita da violência repressiva do Estado, demonstrando seu alinhamento político com o regime ditatorial do Estado Novo: “as medidas de repressão e de segurança devem ser tomadas a bem das coletividades e das instituições, a fim de que uma onda inconsciente de destruição e morticínio não elimine o altar de esperanças da pátria.” (p.212)
Da mesma forma, os governantes do período regencial que reprimiram com violência as revoltas nas províncias são exaltados como heróis da pátria; “pelas medidas de repressão que
lhe cumpria executar, aqueles homens foram compelidos aos mais elevados atos de renúncia pelo bem coletivo, praticando com isso verdadeiro heroísmo.” (p.171)
“Deixai aos déspotas da Terra a liberdade de agir sob o império da sua prepotência…”(p.101)
“O objetivo da obra de Ismael não é a reforma inopinada das instituições, impondo abalos à natureza, que não dá saltos;…”(p.207)
“A política sofrerá, no curso de séculos, as alternativas do direito da força e da força do direito, até que o planeta possa atingir relativa perfeição…” (p.213)
Com sua mentalidade religiosa resignada e contemplativa, induz um comportamento político de acomodação, submissão e passividade que naturaliza relações de dominação e poder, que passam a ser aceitas e vistas como algo inevitável, necessário e natural.
Dessa forma, podemos afirmar que a obra é indutora de alienação política.
Alienar-se é não compreender o mundo, é perder a consciência crítica em relação à realidade social e política, tornando-se passivo e conformado. Alienar-se é vivenciar o mundo passivamente, não vendo a sí mesmo como um agente ativo.
2) Anticomunismo:
Elias Moraes em seu Livro “O Processo Mediúnico” lembra que Humberto de Campos, quando encarnado, era socialista, mas no livro psicografado 3 anos depois de sua morte, o autor mostra-se um anticomunista, elegendo o capitalismo como solução para os problemas sociais em curso.
A condenação e o combate ao comunismo, esteva muito vinculada ao fascismo, exercendo a função de justificar práticas repressivas e autoritárias. Na América Latina, o anticomunismo também estava vinculado à ação da Igreja Católica que, desde a reação conservadora ultramontana, mobilizava seus fiéis numa espécie de cruzada contra o ateísmo socialista.
3) Naturalização da autocracia e do culto à personalidade do líder:
Também é Elias Moraes quem adverte haver politicamente um misto de teocracia (o poder emana sempre do “Alto”) com autocracia (o poder concentrado na pessoa do dirigente).
Ao projetar para o mundo espiritual relações autocráticas de poder e o culto à personalidade do líder, o autor reforça de maneira peculiar o autoritarismo como parte da
natureza das relações humanas.
A figura do “elevadíssimo” espírito Ismael, com seu “coração angélico e santificado”, é exaltado como governador espiritual do Brasil, mentor do Movimento Espírita Brasileiro e
diretor espiritual da FEB, recebendo expressões como “A realidade é que Ismael triunfa sempre“ ou então, “Ismael sempre vence”, que nos remetem aos slogans fascistas nos anos
30 quando se referiam à figura do líder, como o famoso lema italiano repetido a exaustão nos anos 30; “O Duce tem sempre razão”.
“Falanges imensas, ansiosas e extasiadas, avançam com fervorosa coragem… todos queriam beijar a bandeira sacrossanta de Ismael, com o seu emblema – Deus, Cristo e Caridade”. (p.63)
No melhor estilo dos líderes fascistas da época, Ismael também tem seus símbolos como bandeira e lema, que inspiram “suas falanges imensas” a seguirem seu líder com total devoção.
Assim como no fascismo, ocorre uma identificação direta do líder com “o bem” ou com a pátria. Ao não admitir qualquer diferença entre a vontade do líder e o interesse público ou o
bem geral, é excluída toda possibilidade de oposição ou pensamento divergente. Discordar do líder é ser um inimigo do bem, é ser um inimigo da pátria.
Essa dicotomia expressa na obra é mais um ponto de aproximação com o fascismo que partilha da mesma lógica binária do “nós” contra “eles”. Tende a gerar uma postura política que amplifica a intolerância social numa atitude definida pela falta de habilidade e vontade de reconhecer e respeitar diferenças de interesses, opiniões ou valores.
Como consequência tanto da perspectiva fascista de cultuar e mitificar seus líderes, como do providencialismo que promove uma sacralização da política e do Estado, nossos primeiros governantes são elevados a uma posição de quase santidade política.
Assim, D. Pedro I, que hoje poderia ser considerado um exemplo de masculinidade tóxica é estranhamente descrito como o “senhor da psicologia dos tempos modernos” ou como “príncipe das claridades fraternas”. Um príncipe português com comportamento despótico é visto como um “homem de notável acuidade em se tratando de psicologia política” ou ainda, “espírito empreendedor na direção das coisas públicas, inaugurando a era constitucional com as suas valorosas iniciativas”(p.148). D. Pedro II é reverenciado como “um centro de exemplos e virtudes, um modelo geral para todos” de “inesquecível superioridade espiritual” e “vivia aureolado pela veneração carinhosa das multidões” (p.174) Pai e filho, tendo sido escolhidos por Jesus, gozariam da legitimidade Divina para governar, (o que também estaria em consonância com Bossuet, famoso defensor da tese do direito divino dos reis).
Nessa perspectiva providencialista, o governante não representa os governados, mas representa Deus, origem transcendente de todo poder. Um regime político no qual o poder emana diretamente da vontade de deus é um regime teocrático.
4) racismo negado, apesar de explícito.
O sentido de nação no fascismo está fortemente vinculado a etnicidade e costuma assumir um caráter racista. Ainda que o racismo seja uma manifestação muito comum, adquiriu contornos bem específicos em cada país. Uma característica do racismo no Brasil e reproduzida na obra é sua veementemente negação.
Mais do que estrutural, a obra expressa um racismo explícito, tanto pela sua linguagem como pela sua linha de raciocínio. Refere-se aos povos africanos como “raças sofredoras” ou como “sub-raça”, (sub é um elemento prefixal que indica inferioridade ou qualidade
inferior).
“(…) pelo do seu resignado heroísmo,…a terra brasileira soube reconhecer-lhes as abnegações santificadas”(p.64)
O autor abusa de eufemismos inadequados para a escravidão; ”resignado” dá a entender que o africano escravizado era dócil, submisso e conformado e “abnegação” implica em renúncia espontânea de seus interesses, como se a escravidão tivesse a participação voluntária dos escravizados. A nação soube reconhecer seu trabalho, ou sua “abnegação santificada”… Quando? Onde? Como?
A etnicidade vinculada ao nacionalismo é manifestada na obra através da ideia de que a Pátria do Evangelho seria constituída por uma “nova raça”, criada pela miscigenação dos
indígenas, do português e do africano.
O autor sempre atribui vantagens e desvantagens em função da “raça”, o que é uma atitude que expressa preconceito racial. Assim, os indígenas são descritos como “humildes e simples” e “fraternos e bons”; o português como “o povo mais trabalhador e mais humilde da Europa” e um “povo minúsculo e heroico”; e o africano trazido como escravo é definido como ”raça flagelada e sofredora”.
O mito da pátria do Evangelho reproduz o mito da democracia racial. Valoriza a miscigenação como um elemento positivo da identidade nacional e enxerga a mestiçagem como prova da tolerância racial.
Numa lógica colonialista, a inclusão das etnias negra e indígena é marcada na obra pela total subordinação e negação dos valores culturais que as caracterizam, sendo a cultura branca europeia considerada a única capaz de conduzir a civilização e construir a Pátria do Evangelho. “Terão eles (os portugueses) o livre arbítrio de humilhar ou não seus irmãos…”
Toda a rica cultura e a espiritualidade dos povos africanos e indígenas, suas práticas mediúnicas, sua visão de mundo, simplesmente são ignoradas na obra.
O texto transmite a ideia que uma encarnação sob a cor da pele negra, seria provocada por uma culpa pregressa de outra existência, quando se estava na condição de branco, e que agora sob a vivência negra, encontraria as chances de “remissão dos pecados”. Como se nascer negro, fosse por si só, uma expiação, fortalecendo os papéis de subalternidade e inferioridade relacionados ao negro, e de superioridade conferidos ao branco. Nessa linha de raciocínio, a escravidão passa a ser justificada como uma especial oportunidade de expiação proporcionada pela providência.
Um mito alienante
O mito da pátria do Evangelho não chega a ser um mito original. Ele é um mito “mutante”, uma variante ampliada e sofisticada do mito da democracia racial mesclado com o mito do Destino Manifesto.
O mito do Destino manifesto está ligado ao desenvolvimento do nacionalismo nos EUA e teria se originado da crença, surgida ainda na colonização, de que a América era uma terra prometida concedida a um povo eleito. Segundo o Destino Manifesto, os Estados Unidos possuiriam uma missão Divina de se expandir e formar uma grande nação para defender a liberdade e a democracia no mundo.
Entre as principais crenças presentes no mito da Pátria do Evangelho podemos destacar:
1) crença no Brasil como um país com potencial para a grandeza, destinado a ter um lugar de destaque na história da humanidade, fadado a “não somente suprir as necessidades materiais dos povos mais pobres do planeta, bem como a ser o maior celeiro de claridades espirituais do orbe inteiro.”
Dentro desse complexo de grandeza, nasce a crença de que o povo brasileiro seria uma espécie de novo “povo eleito” e o país uma nova “nação eleita” por Jesus, que “transplantou da Palestina para a região do Cruzeiro a árvore magnânima de seu Evangelho”.
Compondo esse “complexo de grandeza pátrio”, nasce a crença do país como uma “terra abençoada por Deus”, marcada por belezas e riquezas naturais excepcionais. Um país-paraíso visto como um presente divino a ser aproveitado, um paraíso reencontrado. A imagem do país-paraíso nos persuade de que nossa grandeza está predeterminada, um sinal inequívoco de que a Providência nos escolheu como novo Povo Eleito.
2) Como todo mito, a Pátria do Evangelho assume valores substitutivos, compensando valores ausentes na sociedade, assumindo uma função apaziguadora e justificadora da sociedade por ele negada.
Assim sendo, o Brasil que é o último país da América que aboliu a escravidão e que chegou a ter a mais baixa expectativa de vida entre os escravizados, apenas de 25 anos. Que da relação entre senhores e escravizados produziu uma violência epidêmica e hoje é um dos campeões mundiais de violência, com índices de mortalidade trinta vezes maiores do que aqueles observados na Europa. Um país que desenvolveu na sua relação inter-racial uma “cultura do estupro” e que hoje tem uma estimativa de mais de 400 mil estupros por ano, onde a cada 8 segundos uma mulher é vítima de violência física. Um país campeão em assassinatos de pessoas LGBTQIA+, com índices de intolerância política acima da média mundial. Um país que é um dos campeões de desigualdade social, racial e de gênero.
Pois, justamente esse país racista, violento, e desigual, produziu a crença na cordialidade do seu povo “fraternal e generoso”, “um povo bem aventurado por sua mansidão e fraternidade”, um povo afável e amistoso desprovido de violência e sem preconceitos de qualquer gênero e que “um dos seus traços característicos é o seu profundo amor à liberdade” (p.147).
Como consequência natural do povo cordial e pacífico, temos a crença de numa nação harmônica e sem conflitos, onde todas as mudanças políticas como a independência ou a abolição teriam sido feitas de forma pacífica, sem derramamento de sangue ou violência.
Essa crença do povo fraternal e pacífico com sua nação harmônica e sem conflitos, nos mostra o quanto os mitos são capazes de construir uma imagem invertida da realidade.
3) crença religiosa na Providência Divina como a grande agente da história. Uma perspectiva alienante onde a humanidade encarnada não é reconhecida como agente ativo e vivencia o mundo passivamente, pois existiria um planejamento prévio, definido à margem da experiência concreta dos homens encarnados que seriam apenas seus executores, encarregados de “materializar” o plano espiritual.
O autor enfatiza a constante intervenção da alta espiritualidade sobre a história política da nação. “…todas as realizações e todos os seus feitos, tiveram suas origens profundas no plano espiritual.”
D. Pedro nas margens do Ipiranga grita; “Independência ou Morte, sem suspeitar de que era dócil instrumento de um emissário invisível”.
A Princesa Isabel, que viera ao mundo como missionária da Abolição, “executa sem hesitar o plano de Ismael, cercada de entidades angélicas”.
“A verdade espiritual, que paira acima das considerações de todos os historiadores, é que Ismael preparou aqui a oficina da fraternidade.” (p.95)
“Os dados que o autor fornece nestas páginas foram recolhidos nas tradições do mundo espiritual.” (p.07)
Para o autor, o que importa é a incontestável verdade revelada pela via mediúnica. Sua história mitificada é declaradamente independente da ciência, da razão ou mesmo dos fatos. A extensa crítica historiográfica da obra torna-se aqui dispensável uma vez que o autor assume sustentar sua narrativa numa crença religiosa.
Esse apelo a “tradição do mundo espiritual” assemelha-se a importância que o fascismo atribui a tradição por ele idealizada. A tradição manipulada sustenta a defesa intolerante dos valores fetichizados do fascismo. Esse discurso também aproxima o autor à outra característica do fascismo que é o anti-intelectualismo; que ignora os acadêmicos e especialistas como fontes legitimas do conhecimento, que não seria algo a ser construído e aprimorado, mas algo a ser apenas desvendado ou revelado.
Todo mito enquanto realidade ilusória cristaliza-se em crenças que são interiorizadas num grau tal que são percebidas como a própria realidade, substituindo a realidade pela crença na realidade narrada por ele, tornando invisível a realidade existente.
A filósofa Marilena Chauí, afirma que o mito funciona como uma solução imaginária para tensões, conflitos e contradições que tem dificuldade de encontrar caminhos para serem resolvidos, pois exigem uma profunda transformação da sociedade, e que por isso, são transferidas para uma solução imaginária que torna suportável e justificável a realidade.
No dizer da historiadora Lilia Moritz Scwarcz, o mito enquanto narrativa histórica projeta no passado uma harmonia social para tentar assegurar a continuidade de um mundo que, na verdade, jamais existiu.
“Não se combate o que não existe”: concluindo
O mito da Pátria do Evangelho tornou-se parte integrante de uma ideologia no sentido marxista do termo, pois proporciona uma concepção falsa da realidade, criando uma ilusão mítica que alimenta a alienação social. Uma imagem invertida do real que contribui para manter as relações de dominação, evitando que problemas estruturais da sociedade não sejam reconhecidos nem enfrentados no sentido de serem superados.
Para que as lutas contra o racismo e pela democracia produzam resultados consistentes, há um passo decisivo que muitos de nós, brasileiros, ainda resistimos em dar: assumir que somos, sim, racistas e autoritários— seja como indivíduo, seja como sociedade.
A negação do racismo ou do autoritarismo invizibiliza e perpetua sua existência, pois não sendo reconhecido, é como se o problema não existisse e nenhuma mudança fosse necessária.
O mito da Pátria do Evangelho, com suas crenças alienantes, exerce o papel de entrave cognitivo para que se possa realizar o diagnóstico dos problemas da nossa sociedade. Somente a desconstrução dessas ilusões permitirá que as bases de uma sociedade democrática e fraterna possam ser reconhecidas, construídas e preservadas.
Referências Bibliográficas:
1 – Francisco Câmdido Xavier/Humberto de Campos – Brasil, Coração do Mundo. Pátria do Evangelho- Ed. FEB, 33ª edição
2 – Leonardo Marno Moreira e Jorge Hessen- “Brasil, coração do mundo, pátria do evangelho”? Uma análise crítica.
https://www.espiritualidades.com.br/Artigos/M_autores/MOREIRA_Leonardo_Marmo_et_HESSEN_Jorge_tit_Brasil-Cora%E7%E3o-do-mundo-P%E1tria-do-Evangelho-Uma-An%E1lise-Cr%EDtica.pdf
3 – Elias Moraes – O Processo Mediúnico – Ed. AEPHUS
4 – Túlio Augusto Paz e Albuquerque – Chico Xavier e a construção simbólica do “Brasil” enquanto “coração do Mundo” e “Pátria do Evangelho”
https://anpuh.org.br/index.php/documentos/anais/category-items/1-anais-simposios-anpuh/34-snh28?start=1780
5 – Bernardo Lewgoy- Chico Xavier e a Cultura Brasileira.
http://www.espiritualidades.com.br/Artigos/L_autores/LEWGOY_Bernardo_tit_Chico_Xavier_cultura_brasileira.htm
6 – Eduardo José Biasetto- Famoso Livro de Chico Xavier sobre Brasil só comete erros
http://naofoiohumbertodecampos.blogspot.com/2018/03/famoso-livro-de-chico-xavier-sobre-o.html
7 – Maurício Zanolini- Brasil é o coração do mundo e a pátria do evangelho?
8 – Lucas Berlanza Corrêa, Patriotismo e Espiritismo.
https://questaoespirita.blogspot.com/2017/10/patriotismo-e-espiritismo.html
9 – Djalma Argollo – A Diversidade das Escolhas – Ed.
10 – Emanuel Antunes da Silva Holanda – O movimento Espírita na década de 1930: A obra “Brasil Coração do Mundo, Pátria do Evangelho” como instrumento de unificação e legitimação política.
11 – Revista Dinâmica Espírita, número 43, Pátria e Espiritismo
http://www.ceamorepaz.org.br/revista/dinamica_espirita_43.pdf
12 – Lilia Moritz Shwarcz – Sobre o Autoritarismo Brasileiro – Ed. Cia das Letras
13 – Edmilson Menezes (org.) – História e Providência – Bossuet, Vico e Rousseau – Texto e Estudos Editora: Editus-Uesc
14 – Sandro Marques dos Santos – Um povo eleito em uma terra prometida: o mito do destino manifesto e as raízes do nacionalismo norte-americano –
https://seer.ufrgs.br/index.php/aedos/article/view/121392
15 – Marilena Chauí – Democracia e sociedade autoritária –
https://revistas.ufg.br/ci/article/view/24574/14151
16 – Sergio Schargel – O fascismo como conceito genérico: os estágios de Robert Paxton
https://www.researchgate.net/publication/367162841_O_fascismo_como_conceito_generico_os_cinco_estagios_de_Robert_Paxton
