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Uma Institucionalidade para o Livre Pensar

A grande maioria dos livres pensadores espíritas brasileiros que as tecnologias da comunicação estão revelando nos últimos anos, através de palestras “lives”, grupos de whatsApp, “podcasts”, “blogs” etc, além da publicação livros e monografias, são oriundos de centros espíritas e instituições tradicionais onde não mais encontraram ambiente para suas falas e questionamentos, alguns até mesmo sendo destituídos de suas funções por expressarem seus posicionamentos políticos em divergência com a visão conservadora dos dirigentes.

A multiplicação de pequenos grupamentos autônomos – alguns em formato virtual – e a interação entre seus membros através das redes sociais, está revelando um acelerado crescimento do chamado “campo” ou “segmento” contra hegemônico do MEB reunindo espíritas progressistas, humanistas, laicos e, mesmo, religiosos mas não dogmáticos, aspirantes a um espiritismo atualizado, pluralista, engajado socialmente, que dialoga com a diversidade, com o mundo acadêmico, referenciado em Allan Kardec, ponto de partida do edifício doutrinário do espiritismo, mas sem sacralização da sua obra.

Vários eventos de caráter nacional passaram a ser promovidos arregimentando intelectuais espíritas descontentes com o conservadorismo instalando-se um vigoroso processo de desdogmatização no MEB.

Nesse contexto, não pode ser menosprezada a importância da CEPA pelo pioneirismo na defesa dessas ideias, há várias décadas, inicialmente como confederação pan-americana e, a partir de 2016, assumindo sua atual configuração associativa de pessoas e instituições espíritas de vários países, com forte vocação para a geração de um movimento de ideias, sempre rejuvenescido, leve, fraterno, plural e alteritário.

A partir de 2020, a CEPA que, gradativamente vinha conquistando o respeito e a admiração de boa parte das lideranças espíritas, notadamente no Brasil, onde havia sofrido sérias resistências por parte do movimento federativo, intensifica o seu relacionamento institucional com diversas organizações e lideranças de perfil humanista e não dogmático. Essa aproximação foi impulsionada com a criação da Coordenadoria de Parcerias e Intercâmbio e de um quadro de “Amigos da CEPA” com a finalidade de consolidar laços de amizade e de troca de aprendizados.

Na “live” que a CEPABrasil promoveu no dia 17.08.2024 entrevistando o filósofo carioca Márcio Salles Saraiva, a respeito do seu livro “Espiritismo Hoje: Breve Introdução” recentemente lançado pela Editora Comenius, o presidente do CPDoc-Centro de Pesquisa e Documentação Espírita Saulo Albach lhe endereçou a seguinte pergunta: – É possível e/ou necessário reunir os espíritas progressistas, apesar das diferenças de interpretação a respeito da natureza do espiritismo, sem cair na falácia da “unificação”?

A essa questão, o entrevistado respondeu da seguinte forma: “- Eu acredito que o campo progressista poderia crescer a um ritmo bem maior e com maior consistência teórico-ideológica se ele conseguir se articular institucionalmente. Eu pergunto – Por que os espíritas progressistas, em vez de criticarem a institucionalidade conservadora, não desenvolvem outra institucionalidade? Que seja plural, democrática, horizontal… Já existem vários grupos, coletivos espíritas, presenciais ou virtuais que poderão convocar o primeiro congresso brasileiro do campo espírita progressista para pensar uma outra institucionalidade…”

Esse desafio aguçou o propósito que eu já alimentava ao perceber a necessidade de uma articulação entre esses grupamentos progressistas. Resolvi auscultar o amigo prof. Luiz Signates sobre o que achava da ideia, esta prontamente aceita com sinal verde para que eu prosseguisse nos contatos com outros coletivos.

Adotei como critério inicial convidar os grupos e organizações já integrantes do quadro de Amigos da CEPA, já que não dispunha de outros contatos.

Em 21.09.2024, representantes de dezoito (18) coletivos, institutos, centros, grupamentos especializados e associações espíritas culturais de perfil livre-pensador, humanista, plural, progressista, laico ou adogmático, com engajamento social, reunidos virtualmente, concordaram, unanimemente, em se organizar tendo por objetivo articular suas ações de maneira a impulsionar e tornar mais eficazes e exitosos os seus projetos.

Essa entidade terá mais o caráter de um movimento de articulação, com clara definição ideológica dentro de uma perspectiva humanista, progressista, adogmática, livre-pensadora, plural, socialmente engajada e referenciada no kardecismo. Ainda em estruturação, aberta a novos membros, construindo sua carta de intenções, denominação, regulamento etc., dentro do princípio da inclusão e da alteridade, deveremos atuar juntos naquilo que nos une e cada grupo continuará, com total autonomia, a fazer aquilo para o que foi criado.

É um campo em expansão, que já existia historicamente como embrião, desde os primeiros tempos do MEB, e que agora vem crescendo aceleradamente, como que “rejuvenescendo” o movimento espírita e buscando mantê-lo atual e atuante na busca de um mundo mais justo, solidário, fraterno, diverso e habitável.

Acredito ser esse um passo significativo e de grande influência nos rumos do movimento espírita.
A conferir!

 


“Live” que a CEPABrasil promoveu no dia 17.08.2024

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Natureza, cultura, religião e espiritualidade

Você já se perguntou o que é natureza e tentou responder de forma simples e direta? Nem sempre é tão rápido ou fácil definir conceitos e palavras e, por vezes, cada pessoa definirá de forma diferente. Para mim, natureza é tudo aquilo que não foi feito pelo ser humano: sol, água, rios, mares, ar, animais, plantas, solo, a vida. Nada disso têm origem humana. Na verdade, até o próprio ser humano é natureza, pois ele não deu origem a si mesmo. Biologicamente, somos frutos da evolução das espécies, que é um fenômeno natural e, por mais que nos reproduzamos, nós não demos origem a nós mesmos enquanto espécie; logo, também somos natureza.

De um outro lado, temos a cultura, que é tudo aquilo que foi feito pelo ser humano. Podemos dividir a cultura em material e imaterial. São objetos culturais materiais casas, ruas, cidades, roupas, celular, computador, ventilador, máquina de lavar, fogão, etc. E são cultura imaterial a culinária, a música, o idioma, o carnaval, samba, roda de capoeira, natal, páscoa, etc.

Além disso, diria que um dos grandes problemas em relação aos conceitos de natureza e cultura ocorre quando os confundimos e tomamos um pelo outro. Vou dar um exemplo. Do ponto de vista da natureza, o homem é superior a mulher? O negro é inferior ao branco? A orientação sexual define superioridade ou inferioridade? A resposta para todas essas perguntas é não. Entretanto, culturalmente, ou seja, a partir de algum momento, em algum lugar, pessoas começaram a pensar e a instituir que haveria hierarquia entre homens, mulheres, negros, brancos, heterossexuais, homossexuais, bissexuais, transsexuais, criando assim, historicamente, o machismo, o racismo, a hoje chamada lgbtfobia e muitos outros tipos de diferenciações artificiais e violentas. O que ocorre, é que ou por ignorância, ou por interesses, ou por mau caratismo e crueldade, ou por tudo isso junto, há pessoas e grupos que acreditam que hierarquia entre homens e mulheres, negros e brancos ou pessoas de orientações sexuais diferentes é algo que sempre existiu, que está na natureza, e não que foram criações perversas e totalmente equivocadas do próprio ser humano. Machismo, racismo, lgbtfobia, enormes desigualdades socioeconômicas, guerras, escravidão, exploração, são todos produtos culturais, criações humanas. Nada disso está na natureza, nada disso é natural.

E tudo o que é cultura, pode tanto ser construído quanto desconstruído. Logo, é perfeitamente possível falarmos de uma cultura de equidade de gênero, de uma cultura de equidade racial, de uma cultura de respeito pela diversidade sexual, de uma cultura de compartilhamento e equidade socioeconômica, de uma cultura de justiça e paz, de uma cultura de cooperação – ao invés de exploração,

Mas feita essa distinção entre natureza e cultura, fica uma questão: religião é cultura ou natureza? Ou seja, é ou não é uma criação humana? O fato é que agradando ou não, a resposta é que a religião é uma criação humana e, portanto, não está nanatureza. Catolicismo, protestantismo, islamismo, umbanda e muitas outras têm locais e datas de fundação, ou seja, não existiram desde sempre. E como criações e instituições humanas, as religiões estão sujeitas a todas as contradições da humanidade: elas mesclam luzes e sombras, virtudes e lacunas, contribuições e prejuízos; podem auxiliar na libertação do ser humano, na construção de sua autonomia, mas também podem escravizá-lo; podem contribuir para um mundo mais justo, pacífico, fraterno, mas também podem estimular preconceitos, estereótipos, visões distorcidas e até mesmo violência. Podem mesmo auxiliar em alguns pontos e prejudicar em outros simultaneamente.

Logo, sendo a religião um elemento da cultura, proveniente do ser humano, ela precisa ser encarada de forma crítica também. Os livros chamados de sagrados foram escritos e organizados por mãos humanas, e todo ser humano é limitado. Essas obras podem conter muitos ensinos, histórias e reflexões úteis, inspiradoras, belas, mas também contém elementos e ideias que são de outro contexto histórico, social, cultural e que na atualidade podem mesmo ser absurdos. Logo, é preciso filtrar o humano e aproveitar o que for realmente superior e útil. Para isso, é necessária uma crítica saudável e madura. E, para além disso, uma cultura de diálogo, abertura e não dogmatismo.

Num contraponto a religião, temos a espiritualidade. Para mim, espiritualidade seria qualquer sensação ou percepção no ser humano que transcende, de alguma forma, o estritamente material e fisiológico. Por exemplo: uma pessoa está em uma praça cheia de natureza e tranquilidade e, fechando seus olhos, ouve o canto dos pássaros e sente o vento suave que desliza sobre sua pele; nesse estado de relaxamento e contemplação é tomado por uma profunda sensação de conexão com toda a vida ali presente, é envolvido por uma alegria e sensação de bem estar profundas. Neste momento, essa pessoa estaria vivenciando um momento de transcendência do material, ou, com outras palavras, um momento de espiritualidade.

É possível dar outros exemplos: andar por um museu e deparar-se com uma obra de arte que te emociona, arrepia e sensibiliza; ter momentos de trocas intelectuais, debates e reflexões que te empolgam e inspiram; abraçar alguém que ama e sentir uma sensação de paz e alegria que não é possível descrever em palavras; observar o pôr do sol e ser tomado por um sentimento de admiração pela beleza e grandiosidade da natureza; receber o carinho de pessoas queridas durante seu aniversário e sentir com isso uma profunda gratidão pela vida e pelos afetos; orar com fé e sentir um tipo de conexão, amparo e conforto. Todas essas sensações ou percepções que ultrapassam a barreira do estritamente material são, no que estamos desenvolvendo aqui, momentos de espiritualidade.

Para ficarmos com um exemplo da cristandade, Jesus, segundo é possível observar no Novo Testamento, vivencia a espiritualidade independentemente de lugares, pessoas ou situações específicas. Pela vivência do amor em seu sentido mais profundo, do acolhimento aos que sofrem, da escuta aos necessitados, do contato com a natureza e com o povo, das orações, dos momentos em que ensinava junto ao povo ou simplesmente convivia com seus amigos, ele provavelmente vivenciava, com frequência, essas sensações de transcendência da matéria. Dessa forma, a espiritualidade de Jesus não estaria restrita somente à religião institucionalizada ou a templos religiosos, mas se estenderia por qualquer situação cotidiana da vida. Nessa perspectiva, é possível inclusive não professar nenhuma religião e ainda assim ser pleno de espiritualidade. Não é difícil encontramos exemplos de religiosos sem espiritualidade e de pessoas que não tem qualquer vínculo religioso, mas são cheias de espiritualidade.

Sendo assim, se a religião é cultura, logo obra humana, a espiritualidade me parece ser algo inerente ao próprio ser humano e, portanto, talvez mais vinculada a natureza que a cultura. Dessa forma, a espiritualidade seria um elemento da natureza no ser humano.

Para encerrar, gostaria de citar um trecho do livro “O amor como revolução” do Pastor Henrique Vieira, pessoa que admiro muito em sua espiritualidade cheia de humanidade, abertura e sem dogmatismos:

Espiritualidade é abertura, fundamentalismo é fechamento. Espiritualidade se move nas perguntas, fundamentalismo, em certezas irretocáveis. Espiritualidade é experiência e contemplação, fundamentalismo é doutrina. Espiritualidade se move no amor e na liberdade, fundamentalismo, na culpa e no medo. Espiritualidade transita nas diferenças e percebe a diversidade como expressão sagrada, fundamentalismo vê a diversidade como maldição. Portanto, a experiência religiosa é saudável quando alimenta a espiritualidade sem sufocá-la. (VIEIRA, 2019, p. 65)

Por mais espiritualidade livre e aberta e menos religião dogmática e sectária. Deixo com vocês meus desejos de muita saúde, inspiração e paz

REFERÊNCIAS

VIEIRA, Henrique. O Amor como Revolução. 1. ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2019.

Outros textos do autor disponíveis no link: https://linktr.ee/brunoquintanilha

Publicado originalmente em:
https://sitesorella.wixsite.com/online/post/natureza-cultura-religi%C3%A3o-e-espiritualidade

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Espinoza em O Livro dos Espíritos

Grupo Espírita Gabriel Delanne/Caruaru-PE

Baruch de Espinoza

Baruch de Espinoza foi considerado um marrano. Marrano é o termo que, na península Ibérica (Espanha e Portugal), se dava ao judeu ou mouro que, embora professando publicamente sua adesão ao cristianismo para evitar perseguições, continuava ocultamente fiel à sua primitiva religião (judaica ou muçulmana). A apresentação de Espinosa como um marrano é realizada por Marilena Chauí (1983) no prefácio da coleção Os Pensadores.

O nascimento e origem de Espinoza tem a coincidência de três aspectos que lhe marcaram profundamente: nasceu em um país europeu, teve a influência judaica e, por último, a influência cristã. Seu nome de batismo foi Baruch (ou Bento em português, ou Benedictus em latim) e seu natalício foi no dia 24 de novembro de 1632, em Amsterdam, Países Baixos, na Europa, em uma família judaico portuguesa.

Primeiramente recebeu toda uma formação judaica dos seus pais, tornando-se um conhecedor e crítico das matrizes do Judaísmo e seus estudiosos. Em decorrência de suas análises críticas às bases religiosas judaicas foi considerado herege. Afastou-se do judaísmo, como excomungado da comunidade rabínica. Posteriormente adentrou-se no cristianismo, estudando o humanismo clássico, pelas linhas do protestantismo calvinista (CHAUÍ, 1983, p. 7), tornando-se também um crítico da Bíblia e de toda forma de crença supersticiosa. Tendo acesso à filosofia de Descartes, aprofundou-se cada vez mais numa visão racionalista da vida e de Deus. Foi autor de várias obras em vida: o ensaio Tratado da correção do Intelecto (De Intellectus Emendatione), Princípios da Filosofia Cartesiana, Tratado sobre a Religião e o Estado. Após sua morte foram publicadas as seguintes obras: a Ética, o Tratado da Correção do Intelecto, o Tratado Teológico-Político, uma Gramática Hebraica e as Cartas (CHAUÍ, 1983, p. 7).

Sua obra Ética, publicada post mortem, destaca-se das demais por tentar demonstrar “(…) como Deus é a causa racional produtora e conservadora de todas as coisas, segundo leis que o homem pode conhecer plenamente” (CHAUÍ, 1998, p. 8). Este trabalho foi bastante criticado também pelos cristãos por entenderem que Espinosa estaria destituindo a ideia de Deus-criador e aproximando-se de uma visão imanente e quase panteísta de Deus-Natureza.

Espinosa faleceu num domingo, 21 de fevereiro de 1677, aos quarenta e quatro anos, vitimado pela
tuberculose.

A Ética e os Pensamentos Metafísicos de Espinosa sobre a concepção de Deus

Assinando a obra como Benedictus (tradução do hebraico Baruch) Espinoza, assim dá-lhe o título: Ética demonstrada em ordem geométrica. A Ética de Espinosa, como é comumente conhecida, é dividida em cinco parte: Primeira parte – Deus; Segunda parte – A natureza e a Origem da Mente; Terceira parte – A Origem e a Natureza dos Afetos; Quarta parte – A Servidão Humana ou a Força dos Afetos; Quinta parte – A Potência do Intelecto ou a Liberdade Humana. O filósofo não chegou a ver essa obra publicada.

Esta obra é apresentada pelo filósofo com definições preliminares, demonstrações filosóficas, axiomas, corolários e proposições como teses formuladas por sentenças simples que, no entanto, requerem e propõem amplas discussões. Para este artigo nos deteremos em breve atenção para a primeira parte da Ética de Espinosa que trata de Deus, apresentando algumas de suas teses, cuja similaridade com a filosofia espírita se torna evidente, principalmente quando lemos O Livro dos Espíritos.

A sexta das definições preliminares de Espinosa é a de que Deus é “(…) o ser absolutamente infinito, isto é, uma substância composta de infinitos atributos, cada um deles exprimindo uma essência eterna e infinita”. Aqui a noção de infinito relacionada a Deus.

O axioma terceiro proposto por Espinosa é de que “dada uma causa determinada, segue-se necessariamente um efeito (…)”. Aqui a concepção de causa e efeito para compreender a existência divina.

A proposição XI admite que “Deus, ou, dito de outro modo, uma substância composta de infinitos atributos, cada um deles exprimindo uma essência eterna e infinita, existe necessariamente”. Observamos que nesse trabalho filosófico Espinosa utiliza a expressão ‘substância’ como substituto para ‘Deus’, já rompendo com uma concepção antropomórfica da divindade.

Da proposição XVI o filósofo propõe o terceiro corolário: “Segue-se que Deus é absolutamente causa primeira”. Aqui a ideia de causalidade primária atribuída a Deus.

A proposição XVII afirma que: “Deus age apenas pelas leis de sua natureza e não é compelido por ninguém”. Nesse ponto da obra Espinosa associa a manifestação divina pelas leis do universo.

A seguir as proposições XVIII e XIX, respectivamente afirmam que “Deus é causa imanente de todas as coisas e não causa transitiva” e “Deus é eterno, ou, dito de outro modo, todos os atributos de Deus são eternos”. Estas são duas concepções atribuídas à divindade: causalidade e eternidade.

A demonstração da proposição XX é a de que “Deus e todos os seus atributos são eternos (…)”. Essa tese é complementada na proposição XXI: “Tudo o que se segue da natureza absoluta de um atributo de Deus deve existir sempre e ser infinito, ou, dito de outro modo, deve ser, por este atributo, eterno e infinito”. Aqui Espinosa defende a ideia de que todos os atributos concebidos a Deus devem ser necessariamente eternos.

Para Chauí (1998, p. 10) a Ética de Espinosa, principalmente na sua primeira parte “(…) procura mostrar de que modo Deus se produz a si mesmo, às coisas e ao homem, demonstrando que esse modo de autoprodução é o próprio modo de produção do real”. Através de suas teses, Espinosa apresenta uma concepção de Deus como Causa Cáusica de todos os seres e de todas as coisas.

Ainda em vida Espinosa escreveu Princípios da Filosofia Cartesiana, constando como apêndice a essa obra os Pensamentos Metafísicos, do qual extrairemos algumas notas do filósofo a respeito de Deus. Na primeira parte e no capítulo IV admite que Deus é Eterno. No capítulo VI defende que Deus é único, verdadeiro e bom.

Na segunda parte desse opúsculo filosófico, Espinosa desenvolve algumas dessas concepções e acrescenta no capítulo III que Deus é puro, onipresente e onipotente. No capítulo IV apresenta o atributo da imutabilidade divina e de que Deus é incorpóreo. No capítulo VII Espinosa demonstra que um outro atributo de Deus é o da onisciência.

Espinosa em O Livro dos Espíritos

Dois séculos se passam e poderemos reencontrar Espinosa participando do projeto de renovação espiritual do planeta através do movimento espírita francês, coordenado entre os encarnados por Allan Kardec, e coordenado entre os desencarnados pelo Espírito de Verdade. Detectaremos duas formas da presença de Baruch Espinosa em O Livro dos Espíritos:

  1. Através das psicografias selecionadas por Allan Kardec, embora sem assinatura, mas pelas ideias exaradas que são consentâneas com as apresentadas por ele mesmo na sua existência como filósofo;
  2. Através da escrita de Allan Kardec que, embora não citando Espinosa, é possível igualmente identifica-lo pelas ideias semelhantes às formuladas em várias de suas obras, das quais extraímos algumas concepções e citações no tópico anterior.

Assim, é possível defender a ideia de que Espinosa participou tanto diretamente via psicografias e que foram inseridas em O Livro dos Espíritos, quanto indiretamente quando Allan Kardec apresenta a síntese dos atributos de Deus, claramente identificadas nas obras e no pensamento defendido pelo filósofo do século XVII.

Inicialmente identificamos uma aproximação a Espinosa quando comparamos a primeira parte de O Livro dos Espíritos com a primeira parte da Ética: Allan Kardec denomina essa primeira parte sob o título ‘De Deus’ e Espinosa vai intitular sua primeira parte com o título ‘Sobre Deus’. As semelhanças prosseguem quando já de início à primeira questão de Allan Kardec para uma definição de Deus, os Espíritos responderam “Deus é a Inteligência Suprema, causa primária de todas as coisas”. No Escólio II da proposição XVII da Ética Espinosa defende que o intelecto divino é diferente do intelecto humano: “E, portanto, o intelecto de Deus, concebido como constituindo a essência de Deus, é na verdade causa tanto da essência como da existência de todas as coisas”.

Uma análise de perspectiva à distância sobre a primeira parte de O Livro dos Espíritos, especificamente no capítulo I, dá-nos uma compreensão das aproximações com o pensamento de Baruch de Espinosa, principalmente na sua obra Ética. O capítulo é dividido em 4 subcapítulos: 1 – Deus e o infinito; 2 – Provas da existência de Deus; 3 – Atributos da divindade; 4 – Panteísmo. Ao lermos a Ética de Espinosa em sua primeira parte (De Deus) ficamos como que impactados porque o filósofo racionalista trata dos mesmos aspectos, exceção do quarto tópico (panteísmo), embora essa ideia sobrepaire sobre todo o texto espinosiano já que ele utiliza a expressão ‘substância’, ou ‘natureza’ para designar a Deus. Allan Kardec talvez tenha inserido esse subcapítulo justamente para evitar qualquer dúvida a respeito, como ocorreu com o próprio Espinosa.

O subcapítulo 1 da primeira parte de O Livro dos Espíritos trata de ‘Deus e o infinito’, cujos temas são recorrentes e centrais na primeira parte da Ética de Espinosa. Nessa obra, Espinosa na  emonstração da definição que faz de Deus como um ‘ser absolutamente infinito’, esclarece a respeito do que entende pelo infinito divino: “Digo absolutamente infinito, não infinito em seu gênero (…) mas ao que é absolutamente infinito, pertence a sua essência tudo o que a exprime e não envolve nenhuma negação”. Nesse sentido Allan Kardec avança e apresenta uma crítica ao pensamento espinosiano quando esclarece à resposta da questão número três: “Deus é infinito em suas perfeições, mas o infinito é uma abstração. Dizer que Deus é o infinito é tomar o atributo de uma coisa pela coisa mesma, é definir uma coisa que não está conhecida por uma outra que não o está mais do que a primeira”.

Outra aproximação em O Livro dos Espíritos realizada ao pensamento de Espinosa é na questão quatro, do subcapítulo que trata sobre ‘provas da existência de Deus’, tanto na resposta dos Espíritos quanto no comentário de Allan Kardec, admitindo a ideia de causa-efeito.

No subcapítulo três de O Livro dos Espíritos que trata ‘dos atributos da divindade’ na questão 13 dá-se claramente a entender que Allan Kardec leu e se referenciou em Baruch Espinosa (Pensamentos Metafísicos) ao citar os atributos de Deus de ‘eterno, infinito, imutável, imaterial, único, nipotente, soberanamente justo e bom’, como já vimos no tópico anterior deste artigo. O próprio Allan Kardec irá realizar uma breve explicação sobre seis atributos de Deus e que encontra correspondência em Espinosa:

Allan Kardec (O Livro dos Espíritos) Baruch de Espinosa (Pensamentos Metafísicos)
Eterno Eterno (capítulo IV- Parte I)
Imutável Imutável (capítulo IV – Parte II)
Imaterial Incorpóreo (capítulo IV – Parte II)
Único Único (capítulo VI – Parte I)
Onipotente Onipotente (capítulo III – Parte II)
Soberanamente justo e bom Verdadeiro e bom (capítulo VI – Parte I)

Nesse subcapítulo por cinco vezes são registradas a palavra ‘razão’, tanto por Allan Kardec quanto pelos Espíritos Superiores. Baruch de Espinosa foi um filósofo racionalista. Essa evidenciação da presença de Espinosa em O Livro dos Espíritos apenas engrandece o Espiritismo em sua formação básica, além de corroborar a dimensão filosófica que Allan Kardec assume ao organizar e co-assinar a obra magna espírita.

REFERÊNCIAS:
CHAUÍ, Marilena. Espinosa: vida e obra in VICTOR CIVITA. Editor. Os Pensadores: Espinoza. São Paulo: Abril Cultural, 1983, 3a edição.
ESPINOSA, Baruch. Princípios da Filosofia Cartesiana (1663) in VICTOR CIVITA. Editor. Os Pensadores: Espinoza. São Paulo: Abril Cultural, 1983, 3a edição.
ESPINOSA, Baruch. Ética demonstrada em ordem geométrica (1677) in VICTOR CIVITA. Editor. Os Pensadores: Espinoza. São Paulo: Abril Cultural, 1983, 3a edição.
KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Rio de Janeiro: FEB, 2002.
VICTOR CIVITA. Editor. Os Pensadores: Espinoza. São Paulo: Abril Cultural, 1983, 3a edição

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O pensamento espírita sobre a pobreza

Pobreza é carma? Não há injustiçados? Voltemos a Kardec e Herculano Pires!

Como é sobejamente sabido, no Movimento Espírita Brasileiro hegemônico institucionalizado correm muitas ideias contrárias à codificação. São mistificações, mentiras, muitas vezes eivadas de má-fé. Uma das piores falsificações, e das mais cruéis, que se repete e propala constantemente nesse meio, é a de que “quem sofre é porque mereceu”. Daí a consequente despolitização, o alheamento das questões sociais, como se a miséria, a pobreza, a desigualdade fossem “justas”, “merecidas”. Na cabeça de muitos, a pobreza é a “lei de Deus” funcionando. Pensa-se erradamente: “o pobre mereceu; é justo que esteja assim, pela má utilização da riqueza que fez em outra vida”. Mas, alto lá! Pode ser isso ou não; quem o sabe? Na dúvida sobre cada caso, sempre cabem as perguntas: A doutrina permite julgar assim os irmãos? Não, decerto! (Allan Kardec, O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. X, n. 11) A lei de Deus autorizou alguém a conhecer o passado de cada pessoa pobre, para tão assertivamente sentenciar que todas estão na pobreza devido ao que fizeram em vidas passadas? Ao contrário, Deus não faz esquecer, não vela esse passado? Sim, vela; é o que ensina a doutrina. (Allan Kardec, O Livro dos Espíritos, n. 392 e seg) Quem se arroga ter recebido revelação das existências passadas, portanto? De fato, ninguém tem essas revelações.

O que se faz, candidamente, é apenas uma dedução geral, a partir de um entendimento incompleto e mesquinho, de que todo o sofrimento da pobreza só pode ocorrer porque houve “merecimento”, ou seja, porque é expiação de faltas passadas. Eis do que se trata, para muitos: um “justiçamento cármico” inexorável (e nada doutrinário). A própria doutrina, em sua metafísica da lei divina, explica que o
sofrimento pode se dar por três causas: expiação (de faltas passadas), mas também por prova (teste de virtude, que não exige referência a faltas passadas) ou mesmo por missão! (Allan Kardec, O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. V, n. 9.) De onde os sapientes mistificadores tiraram que toda a aflição da pobreza é expiação? De seu próprio mau juízo. E, ainda que fosse possível acessar a informação precisa de que alguém sofre na pobreza por expiação, qual atitude seria a correta, caridosa, frente a esse caso? A que a doutrina indica é clara: o alívio e a própria
extinção da mesma, jamais a conformação a uma suposta condenação. (Allan Kardec, O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. V, n. 27.)

Além do mais, se há aflições cujas causas estão no passado (as “causas anteriores”), há muito mais que têm suas causas na atualidade (as “causas atuais”)! O recurso às causas anteriores se faz quando se trata de questões “que nenhuma filosofia resolveu até agora”. (Allan Kardec, O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. V. n. 6.) Ora, qualquer filosofia política, social, como a de Platão, de Rousseau, de Fourier, de Saint-Simon, de Marx, de Russell etc., explica as causas atuais da pobreza! Está nas relações injustas de poder, de um sistema de egoísmo, refletido numa sociedade com classes dominante e dominada, baseada na excludente riqueza pessoal; o que hoje se concretiza no capitalismo. E a saída proposta é uma nova forma de distribuição, numa sociedade de ajuda mútua e solidariedade, protetora e emancipadora, de tipo socialista. Portanto, é por desconhecimento e/ou má-fé que se procura a causa da pobreza entre as “causas anteriores”. O problema se
prende à injustiça social, à desigualdade das condições sociais. Desigualdade esta que, segundo a própria doutrina, é devida ao homem, à sua viciosa organização social, não a Deus, às suas leis ou à natureza. (Allan Kardec, O Livro dos Espíritos, n. 806 e seg., 930, 707, 717 etc.) E que deve desaparecer um dia, junto com orgulho e o egoísmo que a engendram. (Allan Kardec, O Livro dos Espíritos, n. 806 e 806a.) “Numa organização social sábia e previdente, a ninguém pode faltar o necessário.” (Allan Kardec, O Livro dos Espíritos, n. 930.)

Ouve-se um péssimo adágio, repetido aqui e ali em meios espíritas, para dar ares de sabedoria aforística a uma desumanidade, que diz: “Há a injustiça, mas não há injustiçados”… O quê! É como se um mecanismo oculto “aproveitasse” as injustiças do mundo, direcionando-lhes os seus devidos merecedores… Tal pensamento faz pintar as injustiças como “justas”! Apenas justifica as injustiças e, com isso, conforma a consciência perante a aflição de muitos. Pior: faz aceitar de bom grado a injustiça, numa indiferença tranquila, como condizente com a lei divina, reproduzindo-a e
perpetuando-a no meio social! Isso não é divino, não é doutrina espírita. É grave… é absurdo.

Em resumo, ninguém tem acesso ao passado de cada um para sentenciar sobre a sorte geral. E pensar assim, além de ser, para o espírita, demonstração de ignorância doutrinária, ainda constitui ato de desamor. É pré-julgamento, é preconceito. A doutrina condena tal prática e tais ideias. Ela veta adotar esse posicionamento frente aos sofrimentos dos pobres e afirma categoricamente: Há, sim, injustiçados; os pobres são injustiçados! Ninguém está autorizado a acusar os pobres de merecerem, ou
generalizar que tenham pedido, seu sofrimento no passado, valendo-se farisaicamente da ideia de reencarnação para justificar as injustas causas atuais da pobreza. E mais, todo sofrimento, mesmo que soubéssemos consistir em expiação, deve ser aliviado ou extinto, inclusive por uma melhor organização social! Não há lugar para o orgulho na normativa ética espírita, só para o amor. É preciso que a sociedade chegue a fundar suas instituições no amor, na ajuda mútua, na solidariedade. Devemos atuar para extirpar da face da Terra as causas atuais da pobreza, que são morais, políticas, econômicas e sociais. Assim, lemos em Kardec e em Herculano Pires:

—————–
Não digais, portanto, quando virdes um de vossos irmãos atingido: “É a justiça de Deus, é preciso que ela tenha seu curso”; mas dizeivos, ao contrário: “Vejamos quais meios nosso Pai misericordioso colocou em meu poder para abrandar o sofrimento do meu irmão. … Vejamos mesmo se Deus não colocou em minhas mãos o meio de fazer cessar esse sofrimento; se não me foi dado, a mim como prova
também, como expiação talvez, deter o mal e substituí-lo pela paz”. Ajudai-vos, portanto, sempre em vossas provas respectivas, e não vos olheis jamais como instrumentos de tortura; esse pensamento
deve revoltar todo homem de coração, todo espírita, sobretudo; pois o espírita, melhor que todo outro, deve compreender a extensão infinita da bondade de Deus. O espírita deve pensar que sua vida
inteira deve ser um ato de amor e de devotamento; que, o que quer que faça para contrariar as decisões do Senhor, sua justiça terá seu curso. Pode, portanto, sem temor, fazer todos os seus esforços para
abrandar a amargura da expiação, mas é só Deus que pode detê-la ou prolongá-la conforme o julgue a propósito. Não haveria um bem grande orgulho da parte do homem, de se crer no direito de revolver,
por assim dizer, a arma na chaga? De aumentar a dose de veneno no peito daquele que sofre, sob pretexto de que tal é sua expiação? Oh! olhai-vos sempre como um instrumento escolhido para fazê-la
cessar. Resumamo-nos aqui: estais sobre a Terra para expiar; mas todos, sem exceção, deveis fazer todos os vossos esforços para abrandar a expiação dos vossos irmãos, segundo a lei de amor e de
caridade. (Allan Kardec, O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. V, nº 27.)

Está bem reconhecido que a maioria das misérias humanas tem a sua fonte no egoísmo dos homens. Então, desde que cada um pensa em si antes de pensar nos outros, e quer a sua própria satisfação antes
de tudo, cada um procura naturalmente se proporcionar essa satisfação a qualquer preço, e sacrifica sem escrúpulo os interesses de outrem, desde as menores coisas até as maiores, na ordem moral
como na ordem material; daí todos os antagonismos sociais, todas as lutas, todos os conflitos e todas as misérias, porque cada um quer despojar o seu vizinho.” (Allan Kardec, Obras Póstumas, pt. I, “O
egoísmo e o orgulho: suas causas, seus efeitos e os meios de destruílos”.)

Se [os preceitos de Jesus] fossem seguidos aqui embaixo, seríeis todos perfeitos: nada mais de ódios, nada mais de dissensões; direi mais ainda: nada mais de pobreza, pois, do supérfluo da mesa de
cada rico, muitos pobres se nutririam, e não veríeis mais, nos sombrios bairros que habitei durante minha última encarnação, pobres mulheres arrastando junto de si miseráveis crianças a quem
falta tudo.” (Allan Kardec, O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XIII, n. 9.)

Certamente que, por uma sábia organização social, podem-se aliviar bem os sofrimentos, e é ao que é preciso visar. … Guardai-vos de ver, em todos os pobres, culpados em punição; se a pobreza é para
alguns uma expiação severa, para outros é uma prova que deve lhes abrir mais prontamente o santuário dos eleitos. … Merecei por vossas virtudes que Deus só vos envie bons Espíritos, e, de um inferno, vós fareis um paraíso terrestre. (Allan Kardec, Revista Espírita, ago. 1861, Dissertações, “O pauperismo”.)

Os pobres são os injustiçados da Terra. Os ricos são os que amealharam os bens da Terra e fizeram a sua própria justiça. O reino é do Céu, mas o Jovem Carpinteiro o trouxe para a Terra, a fim de
que a justiça se faça através do amor. Como é difícil aos homens compreenderem essa dialética Divina! Há dois mil anos admiram a grandeza do Reino, desejam atingi-lo, mas não jogam fora o fardo
terreno que os impede de chegar a ele. … Os homens que amealharam fortuna da Terra amealharam egoísmo, injustiça e impiedade. Os bens da natureza pertencem a todos, e os que
transformam esses bens para produzir outros não podiam esquecer o dever da fraternidade. Como pode regozijar-se na opulência o homem que vê seus irmãos morrendo de fome, doença e miséria nas
sarjetas da cidade ou nos paióis do campo? “Mas ele pode auxiliar as obras sociais.” … Derrubar as migalhas da mesa para os cachorrinhos e os gatos não é amor nem justiça. … De que adiantaria
anunciar a Boa Nova aos ricos que só têm ouvidos moucos para as coisas do Reino? Os pobres sofrem, são injustiçados, carecem de amor. Deus sabe que eles têm ouvidos de ouvir. A Boa Nova lhes toca o coração amargurado. (J. Herculano Pires, O Reino, cap. 2.)

Ai daquele que pretender empobrecer os homens e empobrecer a Terra. … O Reino é rico, mas a riqueza do Reino é abundante e impessoal. O que faz a pobreza é a riqueza pessoal. Há um caruncho
da alma: o egoísmo. Esse caruncho destrói a maior riqueza do universo, que é o Espírito, quando o homem se julga dono pessoal dos frutos da terra. … Que são os bens, se não os frutos da Terra?
Maria previu, na sua intuição humana de mãe e na sua previsão divina de Espírito, a redistribuição dos frutos da Terra para que o amor e a justiça do Reino triunfem entre os homens. A árvore que
lança suas raízes ao solo e estende seus ramos aos ventos não dá frutos para este ou aquele, mas para todos. … Que direito tem um homem de cercar uma árvore ou mais árvores, de torná-las suas
escravas particulares, de arrebatar-lhes sistematicamente os frutos para transformá-los em riqueza pessoal? Os frutos devem saciar a fome dos famintos, alimentar as crianças e fortalecê-las para o
futuro. A riqueza dos frutos é para todos. A árvore é o gesto de Deus ensinando aos homens a eterna doação. Nada lhe pedem e ela tudo dá. … Os entesouradores pessoais organizam-se em associações, em
trustes, em gigantescos monopólios. Pegam os frutos das árvores, os frutos minerais das entranhas da terra, os frutos aquáticos dos rios e dos mares, sugam os lençóis subterrâneos e as misteriosas jazidas
que os séculos formaram, e de tudo isso fazem moedas ingênuas, doiradas ou prateadas, cintilantes de pureza, que transformam em instrumentos de suplício e de vício. Os entesouradores pessoais se
associam contra os pobres, dominam nações e povos, exploram multidões e se consideram benfeitores da humanidade. Graças ao poder do dinheiro acumulado, o ingênuo e puro dinheiro que leva
saúde ao doente e alimento ao faminto, mas que em suas mãos se transforma em lâminas do punhal assassino, derrubam governos, subvertem regimes, tripudiam sobre o direito das gentes. Mas um
dia alguém vem demandar-lhes a alma néscia e apagar-lhes das gerações a odiosa memória, o exemplo corruptor. (J. Herculano Pires, O Reino, cap. 3.)

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Conforme a doutrina, importa guardar esta ideia: Não estamos autorizados a reproduzir a injustiça humana a pretexto de realizar justiça divina!A transformação social, para extinguir as causas da pobreza, eliminando a “riqueza pessoal” e prescrevendo o bem de todos, é um imperativo espírita. Trata-se, na prática, de superar a opressão capitalista e realizar, enfim, a emancipação socialista.

Luiz Gustavo O. dos Santos
Brasília-DF, 26 de maio de 2024.

PS: Sobre isso, indico ainda o excelente artigo da Revista Espírita de 1877, escrito por J. Camille Chaigneau, chamado “Progresso social e reencarnação”, que traduzi e incluí como Apêndice no livro da Anna Blackwell, O efeito provável do espiritualismo sobre a condição social, moral e religiosa da sociedade.

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