Modificar a sociedade ou modificar o indivíduo? Estamos nos referindo ao campo moral. À primeira vista, poder-se-ia dizer que o questionamento não teria muito sentido na medida em que, modificando-se o indivíduo, a transformação da sociedade seria consequência lógica e necessária. Mas parece que as coisas não são bem assim, diante da complexidade do estágio atual da humanidade. Para que a modificação individual pudesse levar, como decorrência inevitável, à transformação da sociedade (ou das sociedades) como um todo, os fundamentos de uma mensagem de caráter universalista, que tivesse a pretensão de promover uma transformação moral da humanidade, teriam de ter uma tal profundidade e abrangência, um gigantesco e sedutor poder para incutir nas pessoas, individualmente consideradas, uma consciência capaz de derrubar as barreiras das diferenças entre os povos, dos atavismos em vários campos, como social, cultural, religioso, político, econômico, das nacionalidades etc. Não seria uma tarefa fácil. Para não dizer impossível.
O otimismo da propagação
Kardec, no seu entusiasmo e contagiante otimismo diante do sucesso do seu dedicado trabalho, circundado pelos Espíritos, teve a convicção de que o Espiritismo se alastraria de modo retumbante pelo mundo, cativando e convertendo os povos à nova filosofia espiritualista. A força da sua filosofia e dos novos conhecimentos revelados pelos Espíritos seria, tão logo passadas “duas ou três gerações” (L.E., 798, comentário), a verdade que iluminaria e transformaria o mundo, marcando o progresso moral da humanidade (L.E., 802). Na Revista Espírita de fevereiro de 1865, reafirma a perpetuidade do Espiritismo. Entretanto, as coisas não se seguiram como prognosticado por Kardec. Como se sabe, o Espiritismo não conseguiu ganhar o mundo de modo a arrebatar os povos em todas as partes do planeta, apesar de consistir num trabalho formulado pelo vigoroso e metódico esforço do professor Lionês, consistente num conjunto de conhecimentos embasados numa intensa investigação experimental, de metódica observação, com uma lúcida e profunda formulação filosófica, da qual decorrem princípios morais incontestáveis.
Os obstáculos à propagação no mundo
O Espiritismo, surgindo num contexto cultural europeu, em que a ciência já se fazia impor aos dogmatismos religiosos, embora a religião ainda exercendo bastante influência, logo fascinou a opinião pública e não sofreu revés do meio acadêmico, angariando respeito e credibilidade. Por isso cresceu rapidamente no entorno europeu, justificando a empolgação de Kardec. Mas o Espiritismo, ao trazer revelações acerca da realidade espiritual humana, lidava com coisas que já embasavam as religiões, crenças e mitologias vigentes, como Deus, alma, espírito, mundo espiritual, reencarnação, evolução moral, comunicabilidade com os mortos etc. Aliás, mesmo nos meios eruditos acadêmicos, a ideia da alma ou do espírito não era rechaçada. Talvez este aspecto tenha implicado uma indiferença nos lugares distantes de Paris, uma vez que não trazia, para sociedades humanas impregnadas por crenças, mitologias e religiões milenares, exatamente novidades, na medida em que praticamente em todo o mundo estava presente a ideia da alma ou espírito, da reencarnação, do mundo espiritual, da vida após a morte, da possibilidade de ouvir os espíritos etc. E para o mundo da filosofia tradicional, acadêmica, talvez a natureza filosófica do Espiritismo não tenha sido devidamente reconhecida porque se embasava em assuntos que diziam respeito à seara da crença no sobrenatural e da fé religiosa. Sobretudo, na medida em que o próprio Kardec, além de não ser tido como um filósofo, incorporou à sua obra elementos inegavelmente configuradores de um sentido religioso, como afirmar, por exemplo, que o Espiritismo seria a terceira revelação divina, sendo uma continuação do Cristianismo, o consolador prometido (ESE, Cap. I, 5,6 e 7; Cap. VI, 3 e 4). Na Revista Espírita de setembro de 1967, Kardec publica um artigo, já anunciando que este faria parte do futuro livro O Céu e o Inferno, em que desenvolve e fundamenta, com raciocínio lógico e cristalinamente inteligível, esta questão da terceira revelação divina e do consolador prometido.
A sobrevivência do Espiritismo
Contudo, embora não se confirmando a expectativa de Kardec, de que o Espiritismo seria “uma revolução completa nas ideias” para o mundo todo, revolução essa que se realizaria “antes que este século tenha passado” (RE, fevereiro de 1965, Da Perpetuidade do Espiritismo), o Espiritismo sobreviveu em alguns lugares, superando perseguições, tanto de governos quanto da Igreja, e o desinteresse mesmo da opinião pública. Consolidou-se no Brasil, pelas circunstâncias favoráveis já bem conhecidas. Em outros poucos países, encontram-se grupos espíritas valorosos, trabalhadores competentes, persistentes e dedicados ao estudo e à difusão do Espiritismo, mas sem conseguir impregnar a sociedade das ideias espíritas para a formação de um movimento espírita significativo, socialmente influente. Na verdade, mesmo aqui em nosso País, embora o Espiritismo reste bem estabelecido e identificado como uma instituição vigorante, atuante, somos vistos por grande parte da opinião pública como mais uma seita ou, na melhor das hipóteses, como mais uma religião, embora os espíritas gozem de bom conceito pelas atividades desenvolvidas no campo assistencial.
A transformação íntima
Entretanto, ainda que o Codificador confiasse numa avassaladora disseminação da sua doutrina em nível planetário para promover a transformação moral da humanidade (em O Espiritismo em Sua Mais Simples Expressão, resumo, 30, e em O Livro dos Espíritos, conclusão, V, 2º§), e a regeneração da humanidade pelo progresso moral (Revista Espírita de agosto de 1965), sua obra é permeada pela ideia mais incidente, que era a transformação individual do homem. Kardec e os espíritos asseveram, reiteradamente, ao longo do todos os seus escritos, a necessidade da transformação íntima do ser humano. E afirmam enfaticamente que a doutrina espírita, bem estudada e compreendida, transformará o homem, levando-o ao progresso moral, que é, afinal, a missão e o objetivo último deste conhecimento novo, por força da sua natureza filosófica e moral, alicerçada na realidade dos fatos estudados e elucidados pela ciência espírita. Em O Evangelho Segundo o Espiritismo, cap. XVII, 4, Kardec ressalta a formidável capacidade do conhecimento espírita e a autoridade da sua filosofia para a promoção da evolução moral do homem e da humanidade.
Como promover o progresso individual?
Pois bem, a esta altura cabe perquirir se o Espiritismo está obtendo êxito em levar o ser humano à almejada transformação íntima (a expressão “reforma íntima” é inapropriada, como assevera H. Pires no livro Curso Dinâmico de Espiritismo, cap. 4). Estamos estudando e buscando compreender bem o conhecimento espírita, sua filosofia e o seu conteúdo moral, como orientava o Codificador? Estamos, nós espíritas e nossas instituições, conseguindo transmitir com clareza e fidelidade o conhecimento construído por Kardec, complementado pela exuberante, rica e constantemente atualizada literatura superveniente? Lembrando que manter a fidelidade à construção básica do Espiritismo implica observar, sem nenhuma relutância, a recomendação do próprio Kardec, posta em A Gênese, cap. I, 55. Sim, pois se abraçarmos a tarefa de, através da propagação do ensino espírita, contribuir para a evolução interior, moral, do ser humano, como queria Kardec, temos de proporcionar às pessoas as condições adequadas para a assimilação e compreensão dos postulados filosóficos e morais espíritas. Obviamente, sem deixar de operar, no que couber, a devida atualização doutrinária ao contexto em que o mundo hoje se move, passados mais de cento e sessenta anos da realidade vivenciada na época em que iniciada a construção do Espiritismo. Atualização não se confunde com reforma, abolição, supressão etc. Herculano Pires, ferrenho defensor da “pureza doutrinária”, leciona, sabiamente, que “é claro que o Espiritismo não poderia estacionar, num mundo em que tudo evolui, tudo se transforma. Negar a evolução do Espiritismo seria negar a sua lei fundamental, que é exatamente a lei da evolução” (Kardec e a Evolução do Espiritismo, artigo publicado em http://estudando.Kardec.blogspot.com/2008/7/Kardec-e-evoluo-do-espiritismo.html
Claro que não somente receber o conhecimento espírita basta para deflagrar o processo de melhoramento íntimo. O progresso individual interior deve ter presente também, ao par da aquisição dos princípios doutrinários e dos ensinamentos dos Espíritos, a regra de ouro estabelecida em O Evangelho Segundo o Espiritismo, cap. XVII,4, sobre como se reconhecer o verdadeiro espírita: pelo esforço que faz para melhorar-se. Em O Espiritismo em Sua Mais Simples Expressão, resumo, 36, Kardec já asseverava que o verdadeiro espírita é “aquele que aproveita o ensinamento dado pelos espíritos”. Aproveitar, neste caso, significa apreender, compreender bem, assimilar e viver de acordo com este conhecimento.
Alternativas adotadas no Brasil
1) Assumindo, no Brasil, a feição assistencialista, tanto na área social (de natureza material) quanto no atendimento espiritual (de natureza terapêutica, fraternal, consoladora), o Espiritismo presta relevantes serviços, auferindo com tal perfil, induvidosamente, reconhecimento e respeitabilidade perante a opinião pública. Contudo, estas atividades espíritas estariam contribuindo para a transformação íntima daquelas pessoas que buscam apenas a caridade do Espiritismo para suprir suas carências e necessidades materiais ou que chegam à casa espírita para satisfazer um desejo de receberem a proteção espiritual ou o alívio de alguma perturbação física ou psicológica? Será que as pessoas socorridas nestas circunstâncias desenvolveriam os quesitos delineados por Kardec para que se caracterizassem como verdadeiros espíritas, esforçando-se pela própria evolução moral? Não é o que a realidade prática tem demonstrado. Quem busca a caridade, na sua grande maioria, lotando auditórios, salões, salas e corredores de casas espíritas, satisfaz-se com a mera caridade recebida, sem se interessar ou se dedicar ao aprendizado doutrinário.
2) Sem dúvida, a transformação íntima propugnada por Kardec há de se dar pelo estudo e justa compreensão dos postulados espíritas. Entretanto, no que se refere à ministração do conhecimento espírita, temos atingido o objetivo de levar o ser humano à transformação moral, ao melhoramento individual? Não é tarefa fácil avaliar em que medida o ensino doutrinário oferecido pelas instituições espíritas alcançam, efetivamente, a finalidade de mudar as pessoas de forma tão intimamente profunda, conduzindo-as ao almejado progresso moral, impregnadas pelas verdades filosóficas e valores morais decorrentes do Espiritismo codificado e de toda a vasta e elucidativa cultura espírita construída pelos que se seguiram a Kardec até os nossos dias.
Sem precisar fazer terra arrasada, impõe-se registrar, para fins de reflexão e algum exame, aspectos que, a meu ver, podem comprometer o sucesso da empreitada essencial do ensino espírita.
Profetas e sacerdotes
Hoje em dia, como bem público e notório, criaram-se verdadeiras classes de “profetas” e “sacerdotes” espíritas, na medida em que pessoas assumem posturas com estas características nos púlpitos, em mesas e salas mediúnicas, nos centros onde se ministram terapêuticas espíritas, dando-se uma conotação mística, mágica, ocultista, milagreira ou sagrada ao discurso doutrinário e à atividade mediúnica, afrontando valores e princípios basilares do Espiritismo, que se fundamenta no estudo e interpretação dos fatos e fenômenos sob o crivo da racionalidade e da lógica, o que permitiu uma formulação filosófica e uma dedução de princípios morais, afastando qualquer vinculação com o sagrado, com o miraculoso, afirmando que todas as coisas de que se ocupava a ciência de observação espírita fazem parte do processo ordenado (ou seria desordenado?) da natureza. Tornando inútil todo o esforço que Kardec fez para exatamente dessacralizar o mundo extrafísico, a vida após a morte, a comunicação com os espíritos etc. Organizam-se grandes centros para atrair pessoas crentes ou sofredoras, prometendo-se-lhes prodígios e maravilhas chanceladas pela participação dos espíritos, com o rótulo do Espiritismo. Perpetuam-se, com tais práticas e comportamentos uma verdadeira deturpação da verdadeira casa espírita, que deveria ser um centro de estudos para enriquecimento da cultura espírita, mas acaba sendo mais um templo místico, onde as práticas nada têm a ver com o que o Espiritismo espera dos espíritas. A caridade, um dos princípios morais tão defendido pela doutrina espírita, obviamente deve ser praticada no âmbito espírita e em qualquer lugar por espíritas ou não espíritas. Mas seria condenável desvirtuamento do verdadeiro sentido da caridade usá-la para atingir fins espúrios. Sem embargo, o que desejo apontar aqui é que mesmo as práticas caridosas, honestas e necessárias, talvez não tenham o condão de despertar, nas pessoas atendidas, a disposição para uma transformação moral pelo esforço em estudar, absorver e compreender o conhecimento que o Espiritismo pode oferecer.
Exageros metodológicos
Mas existem, sim, casas espíritas onde se pratica, com esforço e entusiasmo, o ensino espírita. Mas a difusão da doutrina, a transmissão do conhecimento, podem acabar ofuscadas e até mesmo inviabilizadas por equívocos ou comportamentos personalistas. Na medida em que se assume uma atitude professoral, ditando a doutrina espírita como se numa sala de aula, despejando conteúdos, aplicando métodos pedagógicos como se se tratasse de uma educação escolar, até com critérios de aferição para passagem de ano, de níveis, com planilhas de produtividade etc., pode-se estar perdendo a oportunidade de fazer frutificar o trabalho. Passar o conhecimento espírita não é dar aula, erigir cátedra para doutrinar. Inexiste a figura do professor de espiritismo. Nem a do aluno espírita. Tampouco existe uma escola espírita. Mais uma vez recorrendo a Herculano Pires, este pensador nos ensina que “o Espiritismo é uma tomada de consciência” do indivíduo. E para atingir esta consciência da sua responsabilidade existencial e da própria transcendência, o homem não precisa de mestre, mas desperta na experiência; “No Espiritismo, não há rebanhos nem pastores”, asserção posta na mesma obra acima citada.
Aquela pessoa que se interessa em conhecer o Espiritismo não deve ser tratada como aluno, aprendiz etc., mas deve ser inserida, acolhida, no ambiente de estudos, levada a assimilar os princípios básicos, desenvolvendo-se diálogo franco, livre, participativo, sem a verticalidade professoral. Aos poucos, avançando e aprofundando o livre-pensar espírita, na medida do interesse e da compreensão. Como se sabe, é um trabalho para pequenos grupos, visto que a experiência tem demonstrado que a massificação do ensino doutrinário, para plateias dispostas a apenas escutar palestras empolgantes, ou para um imaginário e incerto público nos meios virtuais, despejando-se conteúdos doutrinários de maneira formal, delineados e limitados por roteiros e programas que não atraem, seja pela aridez, seja pela pouca relevância e muita extensão, não produz o efeito satisfatório, que é o de instigar a pessoa a aprofundar o estudo, a pensar como espírita.
Somente quando a pessoa bem entender os princípios doutrinários, como preconizado por Kardec, e este conhecimento servir-lhe de iluminação para a compreensão de si próprio, para a tomada de consciência do seu papel na vida e no mundo, teriam sido atingidos os fins do ensino espírita. Estudar, compreender e aceitar o conhecimento doutrinário conduz a pessoa a pensar como um verdadeiro espírita e agir como espírita diante dos fatos da vida à nossa volta. O aprendizado espírita teria fracassado se a pessoa, apesar de receber o conhecimento espírita, deixa de se comportar de acordo com a condição espírita no seu cotidiano, ao enfrentar os obstáculos, ao se deparar com os fatos e situações da vida, esquecendo-se ou não conseguindo aplicar, na vivência prática, na experiência, o que aprendeu no rico e humanizador repositório filosófico e moral do Espiritismo.
Mercadejar com o Espiritismo
Ultimamente, fala-se até em criação de faculdade espírita para a formação de bacharéis em espiritismo. Veem-se anúncios oferecendo cursos virtuais, mediante pagamento. A literatura espírita é rica e valiosa para a propagação e consolidação do pensamento espírita, mas já há algum tempo, e presentemente, paira uma sensação de que a temática espírita está sendo usada como meio de vida em alguns casos. Nada mais em desacordo com o sentido que emana da essência simples, objetiva e profundamente humana da filosofia espírita. Mercadejar a difusão da doutrina espírita, condicionar a entrega do ensino espírita a remuneração, fazer do Espiritismo uma profissão, é um erro que só poderá acarretar o descrédito e a aniquilação da obra de Kardec e de todos os verdadeiros pensadores e trabalhadores espíritas. É a deturpação de todo o conteúdo da obra e da sua finalidade de promover a iluminação para o progresso humano. Por certo, um tal empreendedorismo não contribuirá para a promoção da transformação íntima, nem individual, nem da humanidade. Não se nega a valência do emprego das tecnologias, dos recursos artificiais, comunicações virtuais, produção literária etc., em iniciativas legítimas e benfazejas, com a finalidade de difundir o Espiritismo. A conectividade mundial hoje é uma realidade e uma exigência até. Contudo, seu manejo deve ser sempre orientado pela ética e pelos fundamentos filosóficos profundos, mas expostos de maneira tão simples e acessíveis à compreensão, inconfundivelmente consolidados e vigentes na obra espírita, sob pena de em nada contribuir para a efetiva transformação moral do ser humano.
Ideologização da doutrina
Da mesma forma, não será transformando o Espiritismo numa arena para cizânias ideológicas político-partidárias, que a revolução individual ou social se realizará. O pensamento espírita, inspirado pela estrutura superior da doutrina que, desde o impulso inicial que moveu Kardec para esta sublime missão, prima pela investigação imparcial dos fatos e pela busca dos valores morais mais caros para a humanidade, estabelecendo, assim, um embasamento filosófico maravilhoso, universal, não pode ser desfigurado, esfacelado, por posturas fisiológicas, divisionistas, tendentes a identificar o Espiritismo com tais ou quais terrenos ideológicos, colocando-o em antagonismos políticos, lutas e disputas de poder, fazendo-se proselitismo para sustentar uma natureza partidária, parcial, facciosa que nunca se vislumbrou na doutrina kardequiana e que não deflui, nem de longe, da teoria espírita. Não se poderia, mesmo, extrair-se do conhecimento espírita tal configuração, sob pena de incorrer-se numa incongruência insuperável, na medida que todo o trabalho de Kardec e dos espíritos que o assistiram na grandiosa e extenuante empreitada teve o inequívoco propósito e a inspirada missão da busca de verdades universais para a iluminação da razão humana e, consequentemente, a promoção do progresso moral do homem e da humanidade.
Não se nega o direito de as pessoas, espíritas ou não, fazerem suas opções por tais ou quais ideologias, sistemas, regimes, matizes partidárias etc. no campo político. Contudo, usar o Espiritismo para sustentar convicções na seara político-partidária, reduzindo a filosofia espírita a mera protagonista de uma ideologia política em oposição a outras, é desnaturar a doutrina na sua essência apolítica. Embora o espírita, como cidadão, possa exercer a política ou agir politicamente tendo como inspiração e norma de proceder os princípios que auferiu do aprendizado espírita. Entretanto, a prevalecer a noção de que o Espiritismo pertence a esta ou àquela matriz ideológica em antagonismo às demais, restaria fulminada a pretensão do fundador da doutrina, que sempre preconizou que o Espiritismo se dirige a toda a humanidade e tem como missão a revolução humana no campo moral, sem excluir ou dividir as pessoas.
Ainda é possível?
Por fim, há que considerar que não só o adepto do Espiritismo evolui moralmente. O ser humano, com Espiritismo ou sem ele, pode experimentar o progresso moral individual, porque o homem é naturalmente bom, embora possa decair e sofrer influências do meio, que atrasem o progresso moral (Rousseau). O processo reencarnatório, a sucessividade das vidas no mundo material, o exercício do seu livre arbítrio, são instrumentos que tornam o ser humano o construtor do seu próprio destino. E, como se sabe, a lei natural aplica-se a toda a humanidade. O conhecimento espírita está aí para a sublime missão de tornar menos difícil e para, talvez, abreviar a caminhada rumo ao progresso, esclarecendo e iluminando o uso da razão para a mencionada tomada de consciência. Entretanto, não é a única via para a evolução moral. Mas ainda tem o Espiritismo a capacidade de viabilizar a transformação moral no homem? No contexto atual, diante do absurdo progresso tecnológico e intelectual, que se preocupam com o aqui e agora, o imediatismo e a massificação da informação e do conhecimento, que deixou de ser privilégio de poucas pessoas, mas se dissemina instantânea e globalmente, alcançando todos os recantos do mundo, o Espiritismo teria potencial para promover a propagação da sua filosofia no mundo, de modo a concretizar a tal revolução moral na humanidade? E mesmo no âmbito mais limitado em que atua, com abrangência territorial mais modesta do que aquela sonhada por Kardec, estaria o Espiritismo logrando êxito em contribuir para o aparecimento do “verdadeiro espírita”, promovendo o progresso (ou transformação) moral individual do homem?