Deixar-se ir


DEIXAR-SE IR

O Brasil acompanhou, mês passado, o desfecho da trajetória de vida da atriz, empresária e cantora Preta Gil. Filha do talentoso cantor, poeta e compositor, membro da Academia Brasileira de Letras, Gilberto Gil, Preta desencarnou, nos Estados Unidos, depois de um longo período de tratamento de insidioso câncer.

Ela foi apontada, pelos meios de comunicação que acompanharam suas tantas internações e busca de cura, como uma lutadora pela vida. Sem esconder sua doença e exibindo, inclusive, os equipamentos que a ajudavam a manter funções vitais, apresentava-se em público, dançava, cantava, dava entrevistas, sempre que podia.

Assistindo à sua obstinação pela sobrevivência física, mesmo entre desconforto e dores, seu pai, pouco antes de ela falecer, angustiado, deu-lhe este conselho: “Filha, se estiver muito difícil para você e se sente que chegou sua hora, aceite. Se estiver muito pesado, vá, deixe-se ir. É muito ruim viver com esse incômodo, lutando desse jeito”.

SOBREVIVÊNCIA E TRANSCENDÊNCIA

Como entender os esforços extremos pela sobrevivência, não apenas por portadores de doenças tidas como terminais, mas também, muitas vezes, por familiares seus?  Estes, frequentemente, não medem esforços para prolongar, por tempo indefinido, e a qualquer preço, a presença, aqui, de seus entes queridos, presos a leitos, inconscientes ou padecentes de sofrimentos físicos e psíquicos nem sempre devidamente administrados.

Em nossa cultura, os primeiros são vistos como heróis, lutadores pela vida. Por sua vez, os familiares que se negam a permitir a seus entes queridos uma morte digna, quando já não mais há recursos de recuperação, também o fazem como demonstração de afeto. De heroísmo, de renúncia e de dedicação, também.

São posições respeitáveis. A sobrevivência na matéria, tratada em O Livro dos Espíritos como “Lei de Conservação”, provém de um instinto natural. Nos seres inteligentes, mesmo à custa de adversidades, a vida na matéria sempre é tida como instrumento precioso de aprendizado e progresso. Do princípio ao fim. Mas, há outros fatores a considerar.

O TEMOR DA MORTE

Considere-se, que posições como as descritas, de prolongamento doloroso da vida física, própria ou de outros, derivam, talvez na maioria das vezes, do temor da morte. Das dúvidas suscitadas pelas crenças acerca do que nos espera após o desenlace físico. E, também, do entendimento de que só a Deus cabe decidir o momento exato de nossa partida.

A filosofia espírita, entretanto, nos permite avançar sobre esses convencimentos. Em primeiro lugar, porque nos oferece elementos convincentes de que a morte é mera passagem de um estágio de vida a outro. E que não se deve temê-la como fim, ou como portal de sofrimento eterno. Tampouco, de bem-aventurança eterna a quem cumpriu devidamente seus deveres terrenos. Crenças e dúvidas geram temor.

Por outro lado, também o espiritismo nos permite ver o ser humano, graças à aquisição de novos conhecimentos, cada vez mais apto a melhor administrar seu próprio destino e de seus iguais, interferindo no processo da vida biológica, desde seu desabrochar até seu término.

Aí é que se insere a capacidade de avaliar o que Gilberto Gil tratou com a expressão “deixar-se ir”. Isto é: permitir às leis naturais cumprirem sua tarefa, sem a interferência de temores ou pretensos heroísmos que a obstaculizam.

NASCER, VIVER E MORRER, NA BUSCA DA PLENITUDE

O pensador espírita Henrique Rodrigues costumava dizer, com propriedade, que morte não é antônimo de vida. Pode sê-lo de nascimento, mas não de vida. A morte é um episódio da vida. Um evento que nos abre perspectivas novas de evolução.

Morrer é necessário e tem seu tempo devido. Quando nos opomos e criamos obstáculos ao fluxo natural do tempo, estamos lutando não contra a morte, mas contra a própria vida.

A busca da Plenitude – que é, também como podemos entender Deus – dá-se pela dinâmica do “viver, morrer e renascer”.

Gilberto, pai de Preta, expressou bem isso em uma de suas mais belas canções, denominada “Se eu quiser falar com Deus”, quando diz:

“Se eu quiser falar com Deus, tenho que dizer adeus, / Dar as costas, caminhar, / Decidido, pela estrada/ que ao findar, vai dar em nada do que eu pensava encontrar”.

Quem pensava encontrar nela o nada, ou a completude do tudo, vai justamente ao encontro de novos caminhos rumo à Plenitude.

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