Bob Moses (1935/2021) – Exemplo de Luta sem Violência pelos Direitos Civis

A figura de Martin Luther King esteve indissoluvelmente vinculada à luta pelos direitos civis dos negros, e, em geral, de todas as minorias discriminadas dos Estados Unidos, durante o Século XX, sendo, por isso, a mais difundida em todo o mundo.

Não obstante, há muitas outras personalidades que merecem ser igualmente destacadas por seu esforço e entrega generosa a essa batalha pela conquista da igualdade entre os seres humanos. Recentemente, em 25 de julho de 2021, um desses abnegados idealistas partiu para o mundo espiritual, após haver cumprido fecunda trajetória de vida por 86 anos.

Seu nome: Robert Parris Moses, embora por todos conhecido simplesmente como Bob. Neto do pregador batista William Henry Moses, o pequeno Bob cresceu no bairro de Harlem, em Nova York, num ambiente de pobreza, discriminação e agitação social. Logo após obter sua licenciatura em Artes no Hamilton College e um mestrado em Filosofia em Harvard, começou a ensinar matemática no Colégio Horace Mann, no Bronx, outro dos bairros mais pobres da grande cidade. Aos 25 anos, inspirado pelas lutas empreendidas pelos estudantes afro americanos em todo o sul do país contra as políticas segregacionistas, deixou seu posto de professor primário, mudando-se para a cidade de Atlanta, onde se integrou ao Comitê de Coordenação de Estudantes não Violentos.

Em meados do século, mais de 70% dos habitantes negros da região do Mississipi, o principal feudo segregacionista do país, viviam nas zonas rurais, em condições de pobreza extrema e não iam além da educação primária.

Apenas 7% estavam registrados nas listas eleitorais, e muito poucos votavam por medo de sofrer violentas represálias. Bob e os líderes do Comitê logo compreenderam que a possibilidade real de modificar aquela situação dependia de os negros tomarem a iniciativa de registrarem-se para exercer o direito ao voto. Era um direito que a Constituição lhes dava, mas os grupos dominantes contrapunham todo tipo de obstáculo a seu efetivo exercício. Muitas vezes correu sangue: em 1964, dias após o início da Campanha Freedom Summer (Verão da Liberdade), três ativistas dos direitos civis foram abatidos a bala, ao tentarem inscrever cidadãos negros no condado de Neshoba.

Naquele mesmo ano, os afro-americanos foram excluídos da delegação enviada por Mississipi à Convenção Nacional do Partido Democrata. Moses desafiou os líderes locais criando um grupo dissidente para que os afro-americanos democratas também pudessem participar da designação do candidato às próximas eleições presidenciais. Não conseguiu nessa ocasião, mas com isso obteve a atenção dos principais meios estadunidenses e, na eleição seguinte, teve coroado de êxito seu propósito.

 

Honesto, coerente e fiel às suas convicções, Bob Moses acreditou na dignidade dos seres humanos de qualquer condição.

 

Em várias ocasiões, Moses e seus companheiros foram vítimas de agressões, espancamentos e disparos por parte de grupos racistas, como o tenebroso Ku Klux Klan, ao mesmo tempo em que autoridades civis e policiais os perseguiam e encarceravam sob qualquer pretexto. Mesmo assim, nem nos piores momentos Bob desanimou. Certa vez foi espancado quando se dirigia a um tribunal para registrar um grupo de votantes e, mesmo sangrando, não pediu assistência médica até atingir seu propósito. Como nenhum médico quis atendê-lo – todos eram brancos –, precisou deslocar-se a um município vizinho para ser tratado com vários pontos de sutura. Já, seu agressor acabaria por ser absolvido por um júri composto exclusivamente de brancos.

Mesmo diante das numerosas agressões sofridas, esse convicto partidário da não violência nunca se afastou dos princípios que havia adotado desde sua juventude. Inspiravam-no as lutas empreendidas por Gandhi para conquistar a independência da Índia e, por isso, perseverou na estratégia de resistência ética e cívica ante o mal. Sua atitude foi elogiada por Martin Luther King e demais líderes do movimento contra o racismo. Um traço que caracterizava a personalidade de Bob Moses era sua humildade e a pouca disposição ao protagonismo. “Sou apenas um organizador”, costumava dizer.

Irredutível pacifista, também se somou aos protestos contra a guerra do Vietnam. Para evitar ser incorporado às tropas militares exilou-se com a família na Tanzânia e, naquela nação africana, permaneceriam uma década até a chegada da anistia aos desertores, decretada pelo presidente Jimmy Carter. De volta a Nova York retomou sua atividade docente com o ensino da álgebra em ambientes marginais. Dizia ser a melhor forma de continuar o combate pela igualdade que havia iniciado em sua juventude. O “Projeto Álgebra”, por ele fundado em 1982, oferece subvenções para estimular e desenvolver conhecimentos matemáticos a jovens de parcos recursos que venham a se destacar por seu interesse no estudo da disciplina. “Dar esperanças aos jovens graças ao acesso das ciências matemáticas é tão importante como o direito ao voto”, disse em uma entrevista.

Em sua bagagem espiritual, Bob Moses leva consigo um patrimônio moral bem conquistado, que se perpetua na memória coletiva como seu mais honroso epitáfio: honesto, coerente e fiel às suas convicções, acreditou, com toda firmeza, na dignidade dos seres humanos de qualquer condição.

Como espíritas e, consequentemente, como cidadãos que se identificam com os irrenunciáveis valores da igualdade, liberdade, justiça e fraternidade entre todas as pessoas, consignamos aqui o testemunho de nosso respeito e admiração por Bob Moses e sua vida exemplar a serviço do mundo melhor com o qual sonhamos.

 

Jon Aizpurua
Escritor, Psicólogo,
ex-Presidente da CEPA.

Confira a edição completa do Jornal Opinião.

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