Opinando

O pensamento espírita sobre a pobreza

Pobreza é carma? Não há injustiçados? Voltemos a Kardec e Herculano Pires!

Como é sobejamente sabido, no Movimento Espírita Brasileiro hegemônico institucionalizado correm muitas ideias contrárias à codificação. São mistificações, mentiras, muitas vezes eivadas de má-fé. Uma das piores falsificações, e das mais cruéis, que se repete e propala constantemente nesse meio, é a de que “quem sofre é porque mereceu”. Daí a consequente despolitização, o alheamento das questões sociais, como se a miséria, a pobreza, a desigualdade fossem “justas”, “merecidas”. Na cabeça de muitos, a pobreza é a “lei de Deus” funcionando. Pensa-se erradamente: “o pobre mereceu; é justo que esteja assim, pela má utilização da riqueza que fez em outra vida”. Mas, alto lá! Pode ser isso ou não; quem o sabe? Na dúvida sobre cada caso, sempre cabem as perguntas: A doutrina permite julgar assim os irmãos? Não, decerto! (Allan Kardec, O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. X, n. 11) A lei de Deus autorizou alguém a conhecer o passado de cada pessoa pobre, para tão assertivamente sentenciar que todas estão na pobreza devido ao que fizeram em vidas passadas? Ao contrário, Deus não faz esquecer, não vela esse passado? Sim, vela; é o que ensina a doutrina. (Allan Kardec, O Livro dos Espíritos, n. 392 e seg) Quem se arroga ter recebido revelação das existências passadas, portanto? De fato, ninguém tem essas revelações.

O que se faz, candidamente, é apenas uma dedução geral, a partir de um entendimento incompleto e mesquinho, de que todo o sofrimento da pobreza só pode ocorrer porque houve “merecimento”, ou seja, porque é expiação de faltas passadas. Eis do que se trata, para muitos: um “justiçamento cármico” inexorável (e nada doutrinário). A própria doutrina, em sua metafísica da lei divina, explica que o
sofrimento pode se dar por três causas: expiação (de faltas passadas), mas também por prova (teste de virtude, que não exige referência a faltas passadas) ou mesmo por missão! (Allan Kardec, O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. V, n. 9.) De onde os sapientes mistificadores tiraram que toda a aflição da pobreza é expiação? De seu próprio mau juízo. E, ainda que fosse possível acessar a informação precisa de que alguém sofre na pobreza por expiação, qual atitude seria a correta, caridosa, frente a esse caso? A que a doutrina indica é clara: o alívio e a própria
extinção da mesma, jamais a conformação a uma suposta condenação. (Allan Kardec, O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. V, n. 27.)

Além do mais, se há aflições cujas causas estão no passado (as “causas anteriores”), há muito mais que têm suas causas na atualidade (as “causas atuais”)! O recurso às causas anteriores se faz quando se trata de questões “que nenhuma filosofia resolveu até agora”. (Allan Kardec, O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. V. n. 6.) Ora, qualquer filosofia política, social, como a de Platão, de Rousseau, de Fourier, de Saint-Simon, de Marx, de Russell etc., explica as causas atuais da pobreza! Está nas relações injustas de poder, de um sistema de egoísmo, refletido numa sociedade com classes dominante e dominada, baseada na excludente riqueza pessoal; o que hoje se concretiza no capitalismo. E a saída proposta é uma nova forma de distribuição, numa sociedade de ajuda mútua e solidariedade, protetora e emancipadora, de tipo socialista. Portanto, é por desconhecimento e/ou má-fé que se procura a causa da pobreza entre as “causas anteriores”. O problema se
prende à injustiça social, à desigualdade das condições sociais. Desigualdade esta que, segundo a própria doutrina, é devida ao homem, à sua viciosa organização social, não a Deus, às suas leis ou à natureza. (Allan Kardec, O Livro dos Espíritos, n. 806 e seg., 930, 707, 717 etc.) E que deve desaparecer um dia, junto com orgulho e o egoísmo que a engendram. (Allan Kardec, O Livro dos Espíritos, n. 806 e 806a.) “Numa organização social sábia e previdente, a ninguém pode faltar o necessário.” (Allan Kardec, O Livro dos Espíritos, n. 930.)

Ouve-se um péssimo adágio, repetido aqui e ali em meios espíritas, para dar ares de sabedoria aforística a uma desumanidade, que diz: “Há a injustiça, mas não há injustiçados”… O quê! É como se um mecanismo oculto “aproveitasse” as injustiças do mundo, direcionando-lhes os seus devidos merecedores… Tal pensamento faz pintar as injustiças como “justas”! Apenas justifica as injustiças e, com isso, conforma a consciência perante a aflição de muitos. Pior: faz aceitar de bom grado a injustiça, numa indiferença tranquila, como condizente com a lei divina, reproduzindo-a e
perpetuando-a no meio social! Isso não é divino, não é doutrina espírita. É grave… é absurdo.

Em resumo, ninguém tem acesso ao passado de cada um para sentenciar sobre a sorte geral. E pensar assim, além de ser, para o espírita, demonstração de ignorância doutrinária, ainda constitui ato de desamor. É pré-julgamento, é preconceito. A doutrina condena tal prática e tais ideias. Ela veta adotar esse posicionamento frente aos sofrimentos dos pobres e afirma categoricamente: Há, sim, injustiçados; os pobres são injustiçados! Ninguém está autorizado a acusar os pobres de merecerem, ou
generalizar que tenham pedido, seu sofrimento no passado, valendo-se farisaicamente da ideia de reencarnação para justificar as injustas causas atuais da pobreza. E mais, todo sofrimento, mesmo que soubéssemos consistir em expiação, deve ser aliviado ou extinto, inclusive por uma melhor organização social! Não há lugar para o orgulho na normativa ética espírita, só para o amor. É preciso que a sociedade chegue a fundar suas instituições no amor, na ajuda mútua, na solidariedade. Devemos atuar para extirpar da face da Terra as causas atuais da pobreza, que são morais, políticas, econômicas e sociais. Assim, lemos em Kardec e em Herculano Pires:

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Não digais, portanto, quando virdes um de vossos irmãos atingido: “É a justiça de Deus, é preciso que ela tenha seu curso”; mas dizeivos, ao contrário: “Vejamos quais meios nosso Pai misericordioso colocou em meu poder para abrandar o sofrimento do meu irmão. … Vejamos mesmo se Deus não colocou em minhas mãos o meio de fazer cessar esse sofrimento; se não me foi dado, a mim como prova
também, como expiação talvez, deter o mal e substituí-lo pela paz”. Ajudai-vos, portanto, sempre em vossas provas respectivas, e não vos olheis jamais como instrumentos de tortura; esse pensamento
deve revoltar todo homem de coração, todo espírita, sobretudo; pois o espírita, melhor que todo outro, deve compreender a extensão infinita da bondade de Deus. O espírita deve pensar que sua vida
inteira deve ser um ato de amor e de devotamento; que, o que quer que faça para contrariar as decisões do Senhor, sua justiça terá seu curso. Pode, portanto, sem temor, fazer todos os seus esforços para
abrandar a amargura da expiação, mas é só Deus que pode detê-la ou prolongá-la conforme o julgue a propósito. Não haveria um bem grande orgulho da parte do homem, de se crer no direito de revolver,
por assim dizer, a arma na chaga? De aumentar a dose de veneno no peito daquele que sofre, sob pretexto de que tal é sua expiação? Oh! olhai-vos sempre como um instrumento escolhido para fazê-la
cessar. Resumamo-nos aqui: estais sobre a Terra para expiar; mas todos, sem exceção, deveis fazer todos os vossos esforços para abrandar a expiação dos vossos irmãos, segundo a lei de amor e de
caridade. (Allan Kardec, O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. V, nº 27.)

Está bem reconhecido que a maioria das misérias humanas tem a sua fonte no egoísmo dos homens. Então, desde que cada um pensa em si antes de pensar nos outros, e quer a sua própria satisfação antes
de tudo, cada um procura naturalmente se proporcionar essa satisfação a qualquer preço, e sacrifica sem escrúpulo os interesses de outrem, desde as menores coisas até as maiores, na ordem moral
como na ordem material; daí todos os antagonismos sociais, todas as lutas, todos os conflitos e todas as misérias, porque cada um quer despojar o seu vizinho.” (Allan Kardec, Obras Póstumas, pt. I, “O
egoísmo e o orgulho: suas causas, seus efeitos e os meios de destruílos”.)

Se [os preceitos de Jesus] fossem seguidos aqui embaixo, seríeis todos perfeitos: nada mais de ódios, nada mais de dissensões; direi mais ainda: nada mais de pobreza, pois, do supérfluo da mesa de
cada rico, muitos pobres se nutririam, e não veríeis mais, nos sombrios bairros que habitei durante minha última encarnação, pobres mulheres arrastando junto de si miseráveis crianças a quem
falta tudo.” (Allan Kardec, O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XIII, n. 9.)

Certamente que, por uma sábia organização social, podem-se aliviar bem os sofrimentos, e é ao que é preciso visar. … Guardai-vos de ver, em todos os pobres, culpados em punição; se a pobreza é para
alguns uma expiação severa, para outros é uma prova que deve lhes abrir mais prontamente o santuário dos eleitos. … Merecei por vossas virtudes que Deus só vos envie bons Espíritos, e, de um inferno, vós fareis um paraíso terrestre. (Allan Kardec, Revista Espírita, ago. 1861, Dissertações, “O pauperismo”.)

Os pobres são os injustiçados da Terra. Os ricos são os que amealharam os bens da Terra e fizeram a sua própria justiça. O reino é do Céu, mas o Jovem Carpinteiro o trouxe para a Terra, a fim de
que a justiça se faça através do amor. Como é difícil aos homens compreenderem essa dialética Divina! Há dois mil anos admiram a grandeza do Reino, desejam atingi-lo, mas não jogam fora o fardo
terreno que os impede de chegar a ele. … Os homens que amealharam fortuna da Terra amealharam egoísmo, injustiça e impiedade. Os bens da natureza pertencem a todos, e os que
transformam esses bens para produzir outros não podiam esquecer o dever da fraternidade. Como pode regozijar-se na opulência o homem que vê seus irmãos morrendo de fome, doença e miséria nas
sarjetas da cidade ou nos paióis do campo? “Mas ele pode auxiliar as obras sociais.” … Derrubar as migalhas da mesa para os cachorrinhos e os gatos não é amor nem justiça. … De que adiantaria
anunciar a Boa Nova aos ricos que só têm ouvidos moucos para as coisas do Reino? Os pobres sofrem, são injustiçados, carecem de amor. Deus sabe que eles têm ouvidos de ouvir. A Boa Nova lhes toca o coração amargurado. (J. Herculano Pires, O Reino, cap. 2.)

Ai daquele que pretender empobrecer os homens e empobrecer a Terra. … O Reino é rico, mas a riqueza do Reino é abundante e impessoal. O que faz a pobreza é a riqueza pessoal. Há um caruncho
da alma: o egoísmo. Esse caruncho destrói a maior riqueza do universo, que é o Espírito, quando o homem se julga dono pessoal dos frutos da terra. … Que são os bens, se não os frutos da Terra?
Maria previu, na sua intuição humana de mãe e na sua previsão divina de Espírito, a redistribuição dos frutos da Terra para que o amor e a justiça do Reino triunfem entre os homens. A árvore que
lança suas raízes ao solo e estende seus ramos aos ventos não dá frutos para este ou aquele, mas para todos. … Que direito tem um homem de cercar uma árvore ou mais árvores, de torná-las suas
escravas particulares, de arrebatar-lhes sistematicamente os frutos para transformá-los em riqueza pessoal? Os frutos devem saciar a fome dos famintos, alimentar as crianças e fortalecê-las para o
futuro. A riqueza dos frutos é para todos. A árvore é o gesto de Deus ensinando aos homens a eterna doação. Nada lhe pedem e ela tudo dá. … Os entesouradores pessoais organizam-se em associações, em
trustes, em gigantescos monopólios. Pegam os frutos das árvores, os frutos minerais das entranhas da terra, os frutos aquáticos dos rios e dos mares, sugam os lençóis subterrâneos e as misteriosas jazidas
que os séculos formaram, e de tudo isso fazem moedas ingênuas, doiradas ou prateadas, cintilantes de pureza, que transformam em instrumentos de suplício e de vício. Os entesouradores pessoais se
associam contra os pobres, dominam nações e povos, exploram multidões e se consideram benfeitores da humanidade. Graças ao poder do dinheiro acumulado, o ingênuo e puro dinheiro que leva
saúde ao doente e alimento ao faminto, mas que em suas mãos se transforma em lâminas do punhal assassino, derrubam governos, subvertem regimes, tripudiam sobre o direito das gentes. Mas um
dia alguém vem demandar-lhes a alma néscia e apagar-lhes das gerações a odiosa memória, o exemplo corruptor. (J. Herculano Pires, O Reino, cap. 3.)

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Conforme a doutrina, importa guardar esta ideia: Não estamos autorizados a reproduzir a injustiça humana a pretexto de realizar justiça divina!A transformação social, para extinguir as causas da pobreza, eliminando a “riqueza pessoal” e prescrevendo o bem de todos, é um imperativo espírita. Trata-se, na prática, de superar a opressão capitalista e realizar, enfim, a emancipação socialista.

Luiz Gustavo O. dos Santos
Brasília-DF, 26 de maio de 2024.

PS: Sobre isso, indico ainda o excelente artigo da Revista Espírita de 1877, escrito por J. Camille Chaigneau, chamado “Progresso social e reencarnação”, que traduzi e incluí como Apêndice no livro da Anna Blackwell, O efeito provável do espiritualismo sobre a condição social, moral e religiosa da sociedade.

Enfoque

A revolução moral na humanidade. O Progresso moral individual. Dificuldades e possibilidades.

Modificar a sociedade ou modificar o indivíduo? Estamos nos referindo ao campo moral. À primeira vista, poder-se-ia dizer que o questionamento não teria muito sentido na medida em que, modificando-se o indivíduo, a transformação da sociedade seria consequência lógica e necessária. Mas parece que as coisas não são bem assim, diante da complexidade do estágio atual da humanidade. Para que a modificação individual pudesse levar, como decorrência inevitável, à transformação da sociedade (ou das sociedades) como um todo, os fundamentos de uma mensagem de caráter universalista, que tivesse a pretensão de promover uma transformação moral da humanidade, teriam de ter uma tal profundidade e abrangência, um gigantesco e sedutor poder para incutir nas pessoas, individualmente consideradas, uma consciência capaz de derrubar as barreiras das diferenças entre os povos, dos atavismos em vários campos, como social, cultural, religioso, político, econômico, das nacionalidades etc. Não seria uma tarefa fácil. Para não dizer impossível.

O otimismo da propagação

Kardec, no seu entusiasmo e contagiante otimismo diante do sucesso do seu dedicado trabalho, circundado pelos Espíritos, teve a convicção de que o Espiritismo se alastraria de modo retumbante pelo mundo, cativando e convertendo os povos à nova filosofia espiritualista. A força da sua filosofia e dos novos conhecimentos revelados pelos Espíritos seria, tão logo passadas “duas ou três gerações” (L.E., 798, comentário), a verdade que iluminaria e transformaria o mundo, marcando o progresso moral da humanidade (L.E., 802). Na Revista Espírita de fevereiro de 1865, reafirma a perpetuidade do Espiritismo. Entretanto, as coisas não se seguiram como prognosticado por Kardec. Como se sabe, o Espiritismo não conseguiu ganhar o mundo de modo a arrebatar os povos em todas as partes do planeta, apesar de consistir num trabalho formulado pelo vigoroso e metódico esforço do professor Lionês, consistente num conjunto de conhecimentos embasados numa intensa investigação experimental, de metódica observação, com uma lúcida e profunda formulação filosófica, da qual decorrem princípios morais incontestáveis.

Os obstáculos à propagação no mundo

O Espiritismo, surgindo num contexto cultural europeu, em que a ciência já se fazia impor aos dogmatismos religiosos, embora a religião ainda exercendo bastante influência, logo fascinou a opinião pública e não sofreu revés do meio acadêmico, angariando respeito e credibilidade. Por isso cresceu rapidamente no entorno europeu, justificando a empolgação de Kardec. Mas o Espiritismo, ao trazer revelações acerca da realidade espiritual humana, lidava com coisas que já embasavam as religiões, crenças e mitologias vigentes, como Deus, alma, espírito, mundo espiritual, reencarnação, evolução moral, comunicabilidade com os mortos etc. Aliás, mesmo nos meios eruditos acadêmicos, a ideia da alma ou do espírito não era rechaçada. Talvez este aspecto tenha implicado uma indiferença nos lugares distantes de Paris, uma vez que não trazia, para sociedades humanas impregnadas por crenças, mitologias e religiões milenares, exatamente novidades, na medida em que praticamente em todo o mundo estava presente a ideia da alma ou espírito, da reencarnação, do mundo espiritual, da vida após a morte, da possibilidade de ouvir os espíritos etc. E para o mundo da filosofia tradicional, acadêmica, talvez a natureza filosófica do Espiritismo não tenha sido devidamente reconhecida porque se embasava em assuntos que diziam respeito à seara da crença no sobrenatural e da fé religiosa. Sobretudo, na medida em que o próprio Kardec, além de não ser tido como um filósofo, incorporou à sua obra elementos inegavelmente configuradores de um sentido religioso, como afirmar, por exemplo, que o Espiritismo seria a terceira revelação divina, sendo uma continuação do Cristianismo, o consolador prometido (ESE, Cap. I, 5,6 e 7; Cap. VI, 3 e 4). Na Revista Espírita de setembro de 1967, Kardec publica um artigo, já anunciando que este faria parte do futuro livro O Céu e o Inferno, em que desenvolve e fundamenta, com raciocínio lógico e cristalinamente inteligível, esta questão da terceira revelação divina e do consolador prometido.

A sobrevivência do Espiritismo

Contudo, embora não se confirmando a expectativa de Kardec, de que o Espiritismo seria “uma revolução completa nas ideias” para o mundo todo, revolução essa que se realizaria “antes que este século tenha passado” (RE, fevereiro de 1965, Da Perpetuidade do Espiritismo), o Espiritismo sobreviveu em alguns lugares, superando perseguições, tanto de governos quanto da Igreja, e o desinteresse mesmo da opinião pública. Consolidou-se no Brasil, pelas circunstâncias favoráveis já bem conhecidas. Em outros poucos países, encontram-se grupos espíritas valorosos, trabalhadores competentes, persistentes e dedicados ao estudo e à difusão do Espiritismo, mas sem conseguir impregnar a sociedade das ideias espíritas para a formação de um movimento espírita significativo, socialmente influente. Na verdade, mesmo aqui em nosso País, embora o Espiritismo reste bem estabelecido e identificado como uma instituição vigorante, atuante, somos vistos por grande parte da opinião pública como mais uma seita ou, na melhor das hipóteses, como mais uma religião, embora os espíritas gozem de bom conceito pelas atividades desenvolvidas no campo assistencial.

A transformação íntima

Entretanto, ainda que o Codificador confiasse numa avassaladora disseminação da sua doutrina em nível planetário para promover a transformação moral da humanidade (em O Espiritismo em Sua Mais Simples Expressão, resumo, 30, e em O Livro dos Espíritos, conclusão, V, 2º§), e a regeneração da humanidade pelo progresso moral (Revista Espírita de agosto de 1965), sua obra é permeada pela ideia mais incidente, que era a transformação individual do homem. Kardec e os espíritos asseveram, reiteradamente, ao longo do todos os seus escritos, a necessidade da transformação íntima do ser humano. E afirmam enfaticamente que a doutrina espírita, bem estudada e compreendida, transformará o homem, levando-o ao progresso moral, que é, afinal, a missão e o objetivo último deste conhecimento novo, por força da sua natureza filosófica e moral, alicerçada na realidade dos fatos estudados e elucidados pela ciência espírita. Em O Evangelho Segundo o Espiritismo, cap. XVII, 4, Kardec ressalta a formidável capacidade do conhecimento espírita e a autoridade da sua filosofia para a promoção da evolução moral do homem e da humanidade.

Como promover o progresso individual?

Pois bem, a esta altura cabe perquirir se o Espiritismo está obtendo êxito em levar o ser humano à almejada transformação íntima (a expressão “reforma íntima” é inapropriada, como assevera H. Pires no livro Curso Dinâmico de Espiritismo, cap. 4). Estamos estudando e buscando compreender bem o conhecimento espírita, sua filosofia e o seu conteúdo moral, como orientava o Codificador? Estamos, nós espíritas e nossas instituições, conseguindo transmitir com clareza e fidelidade o conhecimento construído por Kardec, complementado pela exuberante, rica e constantemente atualizada literatura superveniente? Lembrando que manter a fidelidade à construção básica do Espiritismo implica observar, sem nenhuma relutância, a recomendação do próprio Kardec, posta em A Gênese, cap. I, 55. Sim, pois se abraçarmos a tarefa de, através da propagação do ensino espírita, contribuir para a evolução interior, moral, do ser humano, como queria Kardec, temos de proporcionar às pessoas as condições adequadas para a assimilação e compreensão dos postulados filosóficos e morais espíritas. Obviamente, sem deixar de operar, no que couber, a devida atualização doutrinária ao contexto em que o mundo hoje se move, passados mais de cento e sessenta anos da realidade vivenciada na época em que iniciada a construção do Espiritismo. Atualização não se confunde com reforma, abolição, supressão etc. Herculano Pires, ferrenho defensor da “pureza doutrinária”, leciona, sabiamente, que “é claro que o Espiritismo não poderia estacionar, num mundo em que tudo evolui, tudo se transforma. Negar a evolução do Espiritismo seria negar a sua lei fundamental, que é exatamente a lei da evolução” (Kardec e a Evolução do Espiritismo, artigo publicado em http://estudando.Kardec.blogspot.com/2008/7/Kardec-e-evoluo-do-espiritismo.html

Claro que não somente receber o conhecimento espírita basta para deflagrar o processo de melhoramento íntimo. O progresso individual interior deve ter presente também, ao par da aquisição dos princípios doutrinários e dos ensinamentos dos Espíritos, a regra de ouro estabelecida em O Evangelho Segundo o Espiritismo, cap. XVII,4, sobre como se reconhecer o verdadeiro espírita: pelo esforço que faz para melhorar-se. Em O Espiritismo em Sua Mais Simples Expressão, resumo, 36, Kardec já asseverava que o verdadeiro espírita é “aquele que aproveita o ensinamento dado pelos espíritos”. Aproveitar, neste caso, significa apreender, compreender bem, assimilar e viver de acordo com este conhecimento.

Alternativas adotadas no Brasil

1) Assumindo, no Brasil, a feição assistencialista, tanto na área social (de natureza material) quanto no atendimento espiritual (de natureza terapêutica, fraternal, consoladora), o Espiritismo presta relevantes serviços, auferindo com tal perfil, induvidosamente, reconhecimento e respeitabilidade perante a opinião pública. Contudo, estas atividades espíritas estariam contribuindo para a transformação íntima daquelas pessoas que buscam apenas a caridade do Espiritismo para suprir suas carências e necessidades materiais ou que chegam à casa espírita para satisfazer um desejo de receberem a proteção espiritual ou o alívio de alguma perturbação física ou psicológica? Será que as pessoas socorridas nestas circunstâncias desenvolveriam os quesitos delineados por Kardec para que se caracterizassem como verdadeiros espíritas, esforçando-se pela própria evolução moral? Não é o que a realidade prática tem demonstrado. Quem busca a caridade, na sua grande maioria, lotando auditórios, salões, salas e corredores de casas espíritas, satisfaz-se com a mera caridade recebida, sem se interessar ou se dedicar ao aprendizado doutrinário.

2) Sem dúvida, a transformação íntima propugnada por Kardec há de se dar pelo estudo e justa compreensão dos postulados espíritas. Entretanto, no que se refere à ministração do conhecimento espírita, temos atingido o objetivo de levar o ser humano à transformação moral, ao melhoramento individual? Não é tarefa fácil avaliar em que medida o ensino doutrinário oferecido pelas instituições espíritas alcançam, efetivamente, a finalidade de mudar as pessoas de forma tão intimamente profunda, conduzindo-as ao almejado progresso moral, impregnadas pelas verdades filosóficas e valores morais decorrentes do Espiritismo codificado e de toda a vasta e elucidativa cultura espírita construída pelos que se seguiram a Kardec até os nossos dias.

Sem precisar fazer terra arrasada, impõe-se registrar, para fins de reflexão e algum exame, aspectos que, a meu ver, podem comprometer o sucesso da empreitada essencial do ensino espírita.

Profetas e sacerdotes

Hoje em dia, como bem público e notório, criaram-se verdadeiras classes de “profetas” e “sacerdotes” espíritas, na medida em que pessoas assumem posturas com estas características nos púlpitos, em mesas e salas mediúnicas, nos centros onde se ministram terapêuticas espíritas, dando-se uma conotação mística, mágica, ocultista, milagreira ou sagrada ao discurso doutrinário e à atividade mediúnica, afrontando valores e princípios basilares do Espiritismo, que se fundamenta no estudo e interpretação dos fatos e fenômenos sob o crivo da racionalidade e da lógica, o que permitiu uma formulação filosófica e uma dedução de princípios morais, afastando qualquer vinculação com o sagrado, com o miraculoso, afirmando que todas as coisas de que se ocupava a ciência de observação espírita fazem parte do processo ordenado (ou seria desordenado?) da natureza. Tornando inútil todo o esforço que Kardec fez para exatamente dessacralizar o mundo extrafísico, a vida após a morte, a comunicação com os espíritos etc. Organizam-se grandes centros para atrair pessoas crentes ou sofredoras, prometendo-se-lhes prodígios e maravilhas chanceladas pela participação dos espíritos, com o rótulo do Espiritismo. Perpetuam-se, com tais práticas e comportamentos uma verdadeira deturpação da verdadeira casa espírita, que deveria ser um centro de estudos para enriquecimento da cultura espírita, mas acaba sendo mais um templo místico, onde as práticas nada têm a ver com o que o Espiritismo espera dos espíritas. A caridade, um dos princípios morais tão defendido pela doutrina espírita, obviamente deve ser praticada no âmbito espírita e em qualquer lugar por espíritas ou não espíritas. Mas seria condenável desvirtuamento do verdadeiro sentido da caridade usá-la para atingir fins espúrios. Sem embargo, o que desejo apontar aqui é que mesmo as práticas caridosas, honestas e necessárias, talvez não tenham o condão de despertar, nas pessoas atendidas, a disposição para uma transformação moral pelo esforço em estudar, absorver e compreender o conhecimento que o Espiritismo pode oferecer.

Exageros metodológicos

Mas existem, sim, casas espíritas onde se pratica, com esforço e entusiasmo, o ensino espírita. Mas a difusão da doutrina, a transmissão do conhecimento, podem acabar ofuscadas e até mesmo inviabilizadas por equívocos ou comportamentos personalistas. Na medida em que se assume uma atitude professoral, ditando a doutrina espírita como se numa sala de aula, despejando conteúdos, aplicando métodos pedagógicos como se se tratasse de uma educação escolar, até com critérios de aferição para passagem de ano, de níveis, com planilhas de produtividade etc., pode-se estar perdendo a oportunidade de fazer frutificar o trabalho. Passar o conhecimento espírita não é dar aula, erigir cátedra para doutrinar. Inexiste a figura do professor de espiritismo. Nem a do aluno espírita. Tampouco existe uma escola espírita. Mais uma vez recorrendo a Herculano Pires, este pensador nos ensina que “o Espiritismo é uma tomada de consciência” do indivíduo. E para atingir esta consciência da sua responsabilidade existencial e da própria transcendência, o homem não precisa de mestre, mas desperta na experiência; “No Espiritismo, não há rebanhos nem pastores”, asserção posta na mesma obra acima citada.

Aquela pessoa que se interessa em conhecer o Espiritismo não deve ser tratada como aluno, aprendiz etc., mas deve ser inserida, acolhida, no ambiente de estudos, levada a assimilar os princípios básicos, desenvolvendo-se diálogo franco, livre, participativo, sem a verticalidade professoral. Aos poucos, avançando e aprofundando o livre-pensar espírita, na medida do interesse e da compreensão. Como se sabe, é um trabalho para pequenos grupos, visto que a experiência tem demonstrado que a massificação do ensino doutrinário, para plateias dispostas a apenas escutar palestras empolgantes, ou para um imaginário e incerto público nos meios virtuais, despejando-se conteúdos doutrinários de maneira formal, delineados e limitados por roteiros e programas que não atraem, seja pela aridez, seja pela pouca relevância e muita extensão, não produz o efeito satisfatório, que é o de instigar a pessoa a aprofundar o estudo, a pensar como espírita.

Somente quando a pessoa bem entender os princípios doutrinários, como preconizado por Kardec, e este conhecimento servir-lhe de iluminação para a compreensão de si próprio, para a tomada de consciência do seu papel na vida e no mundo, teriam sido atingidos os fins do ensino espírita. Estudar, compreender e aceitar o conhecimento doutrinário conduz a pessoa a pensar como um verdadeiro espírita e agir como espírita diante dos fatos da vida à nossa volta. O aprendizado espírita teria fracassado se a pessoa, apesar de receber o conhecimento espírita, deixa de se comportar de acordo com a condição espírita no seu cotidiano, ao enfrentar os obstáculos, ao se deparar com os fatos e situações da vida, esquecendo-se ou não conseguindo aplicar, na vivência prática, na experiência, o que aprendeu no rico e humanizador repositório filosófico e moral do Espiritismo.

Mercadejar com o Espiritismo

Ultimamente, fala-se até em criação de faculdade espírita para a formação de bacharéis em espiritismo. Veem-se anúncios oferecendo cursos virtuais, mediante pagamento. A literatura espírita é rica e valiosa para a propagação e consolidação do pensamento espírita, mas já há algum tempo, e presentemente, paira uma sensação de que a temática espírita está sendo usada como meio de vida em alguns casos. Nada mais em desacordo com o sentido que emana da essência simples, objetiva e profundamente humana da filosofia espírita. Mercadejar a difusão da doutrina espírita, condicionar a entrega do ensino espírita a remuneração, fazer do Espiritismo uma profissão, é um erro que só poderá acarretar o descrédito e a aniquilação da obra de Kardec e de todos os verdadeiros pensadores e trabalhadores espíritas. É a deturpação de todo o conteúdo da obra e da sua finalidade de promover a iluminação para o progresso humano. Por certo, um tal empreendedorismo não contribuirá para a promoção da transformação íntima, nem individual, nem da humanidade. Não se nega a valência do emprego das tecnologias, dos recursos artificiais, comunicações virtuais, produção literária etc., em iniciativas legítimas e benfazejas, com a finalidade de difundir o Espiritismo. A conectividade mundial hoje é uma realidade e uma exigência até. Contudo, seu manejo deve ser sempre orientado pela ética e pelos fundamentos filosóficos profundos, mas expostos de maneira tão simples e acessíveis à compreensão, inconfundivelmente consolidados e vigentes na obra espírita, sob pena de em nada contribuir para a efetiva transformação moral do ser humano.

Ideologização da doutrina

Da mesma forma, não será transformando o Espiritismo numa arena para cizânias ideológicas político-partidárias, que a revolução individual ou social se realizará. O pensamento espírita, inspirado pela estrutura superior da doutrina que, desde o impulso inicial que moveu Kardec para esta sublime missão, prima pela investigação imparcial dos fatos e pela busca dos valores morais mais caros para a humanidade, estabelecendo, assim, um embasamento filosófico maravilhoso, universal, não pode ser desfigurado, esfacelado, por posturas fisiológicas, divisionistas, tendentes a identificar o Espiritismo com tais ou quais terrenos ideológicos, colocando-o em antagonismos políticos, lutas e disputas de poder, fazendo-se proselitismo para sustentar uma natureza partidária, parcial, facciosa que nunca se vislumbrou na doutrina kardequiana e que não deflui, nem de longe, da teoria espírita. Não se poderia, mesmo, extrair-se do conhecimento espírita tal configuração, sob pena de incorrer-se numa incongruência insuperável, na medida que todo o trabalho de Kardec e dos espíritos que o assistiram na grandiosa e extenuante empreitada teve o inequívoco propósito e a inspirada missão da busca de verdades universais para a iluminação da razão humana e, consequentemente, a promoção do progresso moral do homem e da humanidade.

Não se nega o direito de as pessoas, espíritas ou não, fazerem suas opções por tais ou quais ideologias, sistemas, regimes, matizes partidárias etc. no campo político. Contudo, usar o Espiritismo para sustentar convicções na seara político-partidária, reduzindo a filosofia espírita a mera protagonista de uma ideologia política em oposição a outras, é desnaturar a doutrina na sua essência apolítica. Embora o espírita, como cidadão, possa exercer a política ou agir politicamente tendo como inspiração e norma de proceder os princípios que auferiu do aprendizado espírita. Entretanto, a prevalecer a noção de que o Espiritismo pertence a esta ou àquela matriz ideológica em antagonismo às demais, restaria fulminada a pretensão do fundador da doutrina, que sempre preconizou que o Espiritismo se dirige a toda a humanidade e tem como missão a revolução humana no campo moral, sem excluir ou dividir as pessoas.

Ainda é possível?

Por fim, há que considerar que não só o adepto do Espiritismo evolui moralmente. O ser humano, com Espiritismo ou sem ele, pode experimentar o progresso moral individual, porque o homem é naturalmente bom, embora possa decair e sofrer influências do meio, que atrasem o progresso moral (Rousseau). O processo reencarnatório, a sucessividade das vidas no mundo material, o exercício do seu livre arbítrio, são instrumentos que tornam o ser humano o construtor do seu próprio destino. E, como se sabe, a lei natural aplica-se a toda a humanidade. O conhecimento espírita está aí para a sublime missão de tornar menos difícil e para, talvez, abreviar a caminhada rumo ao progresso, esclarecendo e iluminando o uso da razão para a mencionada tomada de consciência. Entretanto, não é a única via para a evolução moral. Mas ainda tem o Espiritismo a capacidade de viabilizar a transformação moral no homem? No contexto atual, diante do absurdo progresso tecnológico e intelectual, que se preocupam com o aqui e agora, o imediatismo e a massificação da informação e do conhecimento, que deixou de ser privilégio de poucas pessoas, mas se dissemina instantânea e globalmente, alcançando todos os recantos do mundo, o Espiritismo teria potencial para promover a propagação da sua filosofia no mundo, de modo a concretizar a tal revolução moral na humanidade? E mesmo no âmbito mais limitado em que atua, com abrangência territorial mais modesta do que aquela sonhada por Kardec, estaria o Espiritismo logrando êxito em contribuir para o aparecimento do “verdadeiro espírita”, promovendo o progresso (ou transformação) moral individual do homem?

Opinião em tópicos

Bravatas & Patriotadas

Em entrevista coletiva concedida logo após sua posse na presidência dos Estados Unidos, respondendo a um pergunta da repórter brasileira Raquel Krähenbühl, sobre as relações de seu governo com o Brasil e a América Latina, Donald Trump, depois de afirmar ironicamente que serão “ótimas”, saiu-se com esta: “Eles precisam de nós, nós não precisamos deles” (https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2025/01/nos-nao-precisamos-deles-diz-trump-sobre-brasil-e-america-latina.shtml) . É como se dissesse: “Valem, nessa relação, os nossos interesses e não os deles, porque eles de nós dependem.”.

O “eles”, usado na resposta, faz supor que Trump, diante da correta pronúncia americana da jovem, mas experiente, jornalista da Globo News, radicada em Washington, nem percebeu que falava com uma latino-americana. Mas, ao mesmo tempo, revela o desprezo a seus povos vizinhos e a soberba gigantesca daquele político ianque, entranhada na cultura de grande parte de seus patrícios. Cultura, aliás, que ele tem alimentado, contra todas as tendências de multilateralismo e de solidariedade entre os povos, necessárias para a inadiável paz de que se ressente o Planeta.

ORGULHO E EGOÍSMO

Ouvindo a resposta de Trump, logo me veio à mente o ditado popular segundo o qual “ninguém é tão pobre que não tenha nada a dar, nem tão rico que de nada necessite”. Mas também lembrei que todos os grandes impérios, sustentados, por algum tempo, por lideranças soberbas, colonialistas e poderosas, todos eles acabaram por ruir e necessitaram da cooperação de outros povos, de outras culturas e de outras formas de encarar os mecanismos da vida, para se reabilitarem.

Se, como afirmou Allan Kardec, falando sobre a evolução do ser humano, o orgulho e o egoísmo geram todos os demais vícios impeditivos do progresso, isso vale também para os povos. Mesmo que a capacidade intelectual humana, geradora do progresso material e também indutora ao orgulho e ao egoísmo, não seja acompanhada, de imediato, pelo progresso moral, “esse estado de coisas durará apenas algum tempo; mudará à medida que o homem compreender melhor que, além dos gozos dos bens terrenos, existe uma felicidade infinitamente maior e mais duradoura.” (questão 785, L.E.).

O 3º milênio de nossa era alcançou-nos com um alto grau de convencimento teórico sobre necessidades mundiais de cooperação entre os povos em prol de agendas capazes de gerar benefícios globais que se fazem inadiáveis. Dentre essas conquistas teóricas despontam a saúde pública de todos os habitantes da Terra e a proteção ao meio-ambiente. Trump, exibindo ímpar arrogância, já no dia de sua posse, anunciou a retirada dos Estados Unidos da Organização Mundial da Saúde e do Acordo Climático de Paris, vigorosas expressões concretas em prol dessas agendas mundiais. É como se repetisse: “Nós não precisamos deles, eles precisam de nós”.

A NOVA ERA

Para além dessas atitudes, o novo presidente norte-americano bateu de frente contra o acolhimento de imigrantes. Anunciou a deportação de milhões deles, negando também cidadania americana a filhos de imigrantes lá nascidos, o que reabilita o ultrapassado conceito do “jus sanguinis” (direito à cidadania por força do sangue). Esquecido de que a grandeza de seu país foi construída por imigrantes vindos dos quatro cantos da Terra, manifestou a falsa ideia de que o alto índice de criminalidade violenta de seu país deve-se a estrangeiros, quando, ao contrário, é fruto da política armamentista e violenta lá historicamente sustentada por políticas estatais. Declarou, também, guerra às políticas civilizatórias de igualdade de gênero: “Daqui para frente, na América, só haverá dois gêneros: o masculino e o feminino”, disse.

A isso tudo, Trump denomina o advento de uma “nova era” a marcar a história de seu grande país. Nação alguma se sustenta sobre bases racistas, homofóbicas, xenofóbicas e antiambientalistas. Essas agendas foram construídas com muita luta pela sociedade moderna e contemporânea. A nova era que a sociedade progressista quer exige justamente a derrubada desses entraves. E é pra já!

E ASSIM VAMOS

Os paradigmas éticos aceitos pela filosofia espírita estão inteiramente de acordo com essas agendas que comprovam, sim, o progresso da humanidade. Ele se dá, apesar da existência, ainda, de lideranças mundiais que o entravam. O êxito político dessas lideranças resulta da ignorância, ainda persistente no mundo, acerca do verdadeiro sentido da vida, tão bem apreendido por quem admite a imortalidade do espírito e sua vocação progressista, independentemente de ideologias políticas ou crenças religiosas. Trata-se é uma construção fundamentalmente laica, humanista e racional, frequentemente, obstaculizada pela religião, mancomunada com as hipócritas e cruéis forças políticas.

Minha crença na humanidade não decresce com essas situações provisórias e pedagógicas. Neste meu entardecer da vida, aos 84 anos, tenho, preferentemente, manifestado minhas ideias por meio de quadrinhas. Como exercício mental e desenvolvimento da capacidade de síntese sobre os grandes temas da atualidade, busco compor uma trova por dia, publicando-a em minha página de Facebook. Retratando o difícil momento que atravessamos, dia desses, com a eleição de Trump, a exemplo de tantos outros falastrões, que se dizem “enviados de Deus”, publiquei esta: “Flui o terceiro milênio / E a humanidade insensata / Dá o poder como prêmio / A quem adora bravata.”.

É o momento que vivemos. Até quando? Não sei. Mas, um dia acaba. Nem que seja à custa de muito sofrimento.

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