Para muitos, ciência, em oposição à opinião, é todo conhecimento que inclua, em qualquer forma ou medida uma garantia da própria validade, isto é, é um conhecimento demonstrativo.
O senso comum, por sua vez, é um conjunto de informações não sistematizadas que aprendemos por processos formais, informais e, às vezes, inconscientes. Essas informações são, no mais das vezes, fragmentárias e podem incluir fatos históricos, doutrinas religiosas, lendas, princípios ideológicos, informações científicas popularizadas bem como a experiência pessoal acumulada. Quando emitimos opiniões, lançamos mão desse estoque de coisas da maneira que nos parece mais apropriada para justificar nossos argumentos.
A ciência diferencia-se, pois, do conhecimento vulgar ou senso comum ao acrescentar critério metodológico, rigor e maior capacidade preditiva a este tipo de conhecimento ainda que o mesmo, de modo trivial e assistemático também descubra fatos, formule explicações e desenvolva teorias. Foi o senso comum apoiado em “dados” que criou as teorias da terra plana, da terra centro estático do Universo, dos seres vivos criados instantaneamente e imutáveis desde então, do homem sem ligação de origem com os demais seres vivos, etc. A ciência mudou tudo isto apesar de os dados não terem mudado e sim sua interpretação. Se as coisas fossem como parecem ser, não seria preciso a ciência para tirar do que está escondido a interpretação correta dos fatos.
Quando o professor Rivail se deparou com os fenômenos que deram origem ao Espiritismo, sua natureza inquieta, perquiridora, percebeu logo a necessidade de examiná-los com critérios metodológicos ajustados às características insólitas dos mesmos, não se submetendo, assim, à apreciação superficial sugerida pelo senso comum.
Graças a este olhar diferente, inteligente, que se alongou além das aparências, foi possível extrair daqueles fatos as consequências filosóficas e morais que iluminam nosso caminho, mudando drasticamente a forma pela qual o homem e o mundo são percebidos. Os fatos, porém, não eram novos, sempre existiram. Eram, no entanto, interpretados pelo conhecimento vulgar como manifestações sobrenaturais, divinas ou demoníacas sem nenhuma relação racional com as supostas causas a eles associadas.
Ao interpretar racionalmente aqueles fatos, ou seja, o fenômeno mediúnico, o Professor Rivail provocou aquilo que o filósofo francês Gaston Bachelard (1884-1962) chamou de “corte epistemológico”, isto é, uma revolução conceptual, uma ruptura com o conhecimento, superficial e ingênuo existente até então sobre o assunto. As consequências desta revolução ainda não puderam ser bem avaliadas.
Essa posição “descontinuista” do francês Bachelard não é de aceitação geral. Os pensadores britânicos Bertrand Russel (1872-1970) e Karl Popper (1902-1994) admitiam a existência de uma continuidade entre ciência e senso comum, no sentido de que a primeira flua do segundo, apenas possuindo uma maior sofisticação, ou seja, a ciência é somente senso comum ou conhecimento vulgar, esclarecido, educado.
Em qualquer dessas visões, porém, poderíamos dizer que, sendo uma filosofia espiritualista e tendo uma evidente interface com a religião (infelizmente hipertrofiada entre nós), o Espiritismo está para as religiões assim como a ciência está para o conhecimento vulgar. Em ambos os casos trata-se de esferas cognitivas diferentes, embora possam se referir à mesma realidade.
O Espiritismo apresenta-se, pois, no panorama da cultura humana como um novo modelo conceptual de base racional, escoimado do sobrenatural, da superstição, da idolatria, sem abdicar, entretanto de um tipo particular de especulação que avança além da ciência, completando-a prematuramente na tentativa de explicar os enigmas da vida. É uma forma totalmente nova de “pensar a realidade a partir da exigência de que a vida faça sentido” (Rubens Alves), é uma nova e viril teoria destinada a “fazer viver e fazer agir” (E. Durkheim).